Ai, meu Deus! Logo agora, em cima da hora da crônica, o computador resolve entrar em greve.
Meu primeiro impulso é ligar pro Leonel (esse mesmo, o Prata!), falando mal do progresso, da tecnologia, das eleições, do ar seco, da poluição, do frio, do calor, do mundo. Não que o meu amigo de tantas histórias – escritas e contadas – seja responsável por minhas desditas pessoais ou existenciais, não, nada disso.
Acontece que, desde 1993, quando trabalhamos juntos pela primeira vez – um projeto para a Mercedes Benz –, entre uma e outra conversa, uma e outra ida à sua editora, comecei a desconfiar de que poderíamos nos entender.
No ano seguinte, outro projeto, a mesma empresa, mil conversas, milhões de idas à editora, passei a ter certeza. Nós nos entendíamos, e ponto final.
Não, nada disso, sem ponto final. Nenhum ponto final. De lá pra cá, entre trabalhos que deram certo e outros nem tanto, sempre nos escrevemos, nos falamos, nos rimos, nos choramos, nos vangloriamos, nos queixamos, nos confessamos.
Uma vez, me segredou. Gostava de me ouvir falar. Matava saudades da mãe.
— Será que tenho voz de mãe? – me perguntei.
Era o sotaque, explicou.
A mãe, mineira também, morava longe, Lins.
Descobri que sotaque servia pra alguma coisa, e passei a caprichar, ao telefone o ao vivo. Nessa vida, mais vale um gosto, dizia meu pai. Custava deixar meu amigo feliz?
Há alguns meses, meu amigo feliz me falou de um site em que estava publicando umas crônicas.
— A turma é boa, passe por lá, dê uma olhada, você vai gostar.
Passei, mais que uma olhada, gostei.
— Não te disse? Mande umas crônicas também, pode mandar pra mim, falo com o pessoal.
Mandei, falou.
Há alguns meses – quantos? – ando por aqui, graças ao empenho do amigo que, domingo após domingo, recebe, via e-mail, esses meus textos meio capengas, acanhados, falando de quase nada, sonhando com quase tudo. Mania antiga, essa de sonhar com o quase.
Meus textos chegam quase corretos ao computador do meu amigo, que conserta travessões e hífens, além de alinhar parágrafos e espaços.
Não sei lidar com essas coisas, e não é que não tenha aprendido, não, nada disso. Acontece que desaprendo. Rápido, desaprendo.
Uma vez, Leonel (sim o Prata!) me escreveu. Se eu clicasse não sei o quê e fizesse sei lá o quê mais, parágrafos e travessões surgiriam como por encanto, assim, quase mágica.
Experimentei, milagre! Parágrafos e travessões se ordenavam como filas de estudantes em colégios dos anos 50. Mágica pura, não só quase.
Alguns poucos domingos depois, frente ao teclado, desconsolada, voz baixa, sotaque nenhum, eu me perguntava por onde andaria a lição aprendida com tanto encantamento.
Teclas acionadas em vão, busquei desesperadamente o e-mail com a receita mágica. Nada.
Procurei o mestre, pedi, me ensinasse de novo.
Não sei o que terá pensado, mas que eu deixasse por conta dele. Colocaria parágrafos, travessões. Tão fácil, tão simples, colocaria. E nossa amizade, parceira de tantos trabalhos, ouvinte de tantas confidências?
Hoje, em cima da hora da crônica, computador fazendo greve, penso em perguntar ao Leonel, que chamo de Leônel, que mágica ele fará pra publicar a crônica que, madrugada adentro, me ponho a escrever. Lentamente, à mão.
Lição de casa, colégio, anos 50. Sem filas, se não for sonhar demais. Sem filas, ou quase.
Esta crônica foi originalmente publicada no site PrimeiroPrograma.
gostei
!!