Irmãos de alma

Estamos entrando na última semana de 2010, ano que coroou de glórias o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas nem os sucessivos recordes de popularidade e o fenomenal feito de inventar e moldar sua sucessora fazem de Lula o maior vitorioso do ano. Há tempos, esse título pertence ao senador José Sarney, um ex-arquiinimigo de Lula que se tornou “conselheiro” e “companheiro leal, correto”.

Sarney atravessou 2010 em céu de brigadeiro. Superou de vez o seu inferno astral. Safou-se das denúncias que chegaram a somar 11 processos na Comissão de Ética do Senado, todos arquivados sem análise de mérito ainda em 2009. Mesmo diante de fatos inequívocos, alguns com culpa assumida, como os atos secretos, as nomeações de parentes em escala geométrica, a composição salarial acima do teto e as irregularidades que acabaram por afundar a fundação que levava seu nome, Sarney continuou incólume.

Reelegeu sua filha ao governo do Maranhão, prorrogando por mais quatro anos o domínio absoluto que tem sobre um dos mais atrasados estados do país, 26º colocado no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU. E ainda driblou os reveses de seus aliados no Amapá, quando a Operação Mãos Limpa desvendou podres do ex-secretário de Justiça e Segurança Pública, Aldo Alves Ferreira, e prendeu o ex-governador Waldez Góes.

Mais do que isso. Sem qualquer alarde, provou quem de verdade tem o poder de mando.

Emplacou sem qualquer dificuldade dois ministros no governo Dilma. Edison Lobão nas Minas e Energia e, no Turismo, o deputado octogenário Pedro Novais, que enfiou nas contas da Câmara gastos feitos em uma farra coletiva em um motel próximo à capital maranhense. Uma história que até seria cômica se não fosse financiada com o dinheiro do contribuinte.

De quebra, Sarney conseguiu ainda afastar seu maior rival na disputa por um novo mandato como presidente do Senado, despachando Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN) para o pepinoso Ministério da Previdência. E, ao que tudo indica, não perderá um milímetro sequer de espaço nas estatais que já domina, em especial no setor elétrico. Terá braços no BNDES, uma coisinha ali na Caixa, outra no Banco do Brasil e, com certeza, na Telebrás ressuscitada e na novíssima estatal do pré-sal.

Neste ano de ouro, Sarney nem precisava de tantos mimos adicionais de Lula, alguns de tal monta que o dono do Maranhão jamais imaginou receber. Lula, que recomendou um psiquiatra para o repórter que lhe perguntara sobre agrados à oligarquia Sarney, não cansa de babar-se em elogios. Chegou a chamar Sarney de “irmão de alma”.

Embora muito longe dos ditos de 1987 – “Adhemar de Barros e Maluf podem ser ladrão (sic), mas eles são trombadinhas perto do grande ladrão que é o governante da Nova República, perto dos assaltos que ele faz”; “Sarney é um impostor que chegou à presidência assaltando o poder”-, Lula tem mesmo laços cada vez mais fraternos com aquele que chamava de ladrão. E ambos fiaram-se neles para se proteger de denúncias que expunham ao público suas malversações.

Mas se hoje essa parece uma irmandade proveitosa, é certo que Sarney colherá mais vantagens dela, pois pouco ou quase nada tem a perder para a história. Já Lula cravou no peito uma mácula sem volta: aliou-se ao atraso, ao que há de pior no país. Fez o “ladrão” de “ irmão”. 

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 26/12/2010.

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