Não sei quantos filmes Billy Wilder, o diretor austríaco que morreu em 2002, fez com Audrey Hepburn, porém dois tenho certeza: Sabrina e Amor na Tarde, ambos deliciosos, como quase tudo que o falecido criou. Mas as fitas têm algo em comum, pois falam do amor entre coroas e jovenzinhas. No primeiro caso, Humphrey Bogart; no segundo, Gary Cooper. Eu, francamente, gostei mais da história com este, apesar de ser a menos cultuada. Entre outras coisas, minha preferência ocorreu por uma cena inesquecível em que o galã maduro leva a moça para jantar e, no restaurante de luxo, faz um conjuntinho de violinos tocar algo para ela. Simplesmente a linda valsa “Fascinação”.
Estou lembrando disso agora não para fazer o necrológio tardio de Wilder, sobre quem já escreveram tudo que deveria ser escrito. Sim porque os casos de amor entre velhotes e gurias me fascinam, menos por eu ser um sujeito encanecido e mais pelas histórias sobre o tema que testemunhei, ou apenas me contaram. Como o caso do meu amigo Maurício, que baixou em Cannes numa de suas viagens à Europa. Ele que também gostava de Billy Wilder.
Pois se encontrava nosso turista encostado, vendo o mar, num certo fim de tarde na famosa cidade, quando se aproximou uma garota, de seus vinte e poucos anos, e perguntou num francês algo hediondo se ele sabia onde era o restaurante L’Orange d’Or. Como o cara também era meio nulo na língua nativa, porém traçava razoável inglês, largou o clássico “Do you speak”? Foi aí que pintou o susto, pois a infanta, no mesmo capenga francês, respondeu que não, pois era brasileira.
– Ora – os olhos de Maurício se iluminaram – eu também.
– De onde?
– De Campinas, São Paulo.
– De Campinas? Puxa, eu nasci lá, na Vila Teixeira.
– Caramba – ele abre os braços – como esse mundo é pequeno.
– Pois é… Mas a propósito, o senhor sabe onde fica o L’Orange d’Or?
Ele pediu a informalidade do você no tratamento, respondeu que não, porém seria fácil achar.
– Como? – Ela levantou as sobrancelhas – Se não falamos francês ?
– A gente chama um táxi. Dá o nome do lugar e pronto.
Assim foi que o maduro cidadão chegou com a beldadezinha a um chique restaurante numa enseada belíssima, meio fora da cidade. Sentaram.
– Finalmente, estamos no L’Orange d’Or – ele faz um círculo no ar com a mão direita.
– Ótimo, aqui é que eu marquei o encontro.
– Com outros brasileiros?
– Não, com meu marido. Ele foi a Paris a trabalho, deve estar chegando logo. Jurou que este é o melhor restaurante da região. Com certeza vai agradecer pela companhia que você me faz.
Aquele “com meu marido” jogou um belo dum balde de água fria nas já nascentes pretensões do viajante. Em todo caso, pediu alguma coisa para beberem e, após uns dois goles, passou a alimentar incipiente esperança de que o avião do camarada poderia atrasar, ou mesmo deixar de sair de Paris em virtude de uma inesperada greve dos funcionários da Air France. Ao mesmo tempo, via a chegada do consorte a qualquer instante, um executivo galã de tenra idade como a moça, talvez uma bem equacionada mistura de Tom Cruise com Brad Pitt.
– Está viajando sozinho? – ele voltou à realidade com a pergunta.
– Sou viúvo.
– Sinto muito.
– Eu também… – ele gemeu.
Agora, percebendo que no fundo do salão havia um pequeno conjunto de violinos, Maurício recordou do velho filme com Audrey Hepburn. Quando chegasse na quinta dose, certamente pediria para que os rapazes viessem tocar junto à sua mesa. “Fascinação”. Já ouvia os acordes da antiga melodia.
Foi neste instante que, olhando para a porta da entrada que se achava às costas da garota, nosso herói se ergueu, levantando os braços:
– Cláudio, meu velho, que coincidência ver você aqui!
Informa à acompanhante que acabara de entrar um amigo de escola em Campinas, seu colega no Culto à Ciência nos anos cinqüenta.
– Mas é meu marido – ela olhou, atônita.
Ao sentar, Maurício fazia as contas: estava com 60, o recém-chegado era mais velho, devia andar pelos 63.
Como agora sabia também que a guria não era esposa coisa nenhuma, pois conhecia a oficial, tratou de cair fora. Para dar chance a Cláudio, se ele a tivesse, de usar a imaginação. Pois os violinos estavam ali. E, afinal, para amores assim é que foi feita uma valsa como “Fascinação”. Billy Wilder sabia das coisas.
Esta crônica foi originalmente publicada no Correio Popular
E uma notinha: sim, foram só dois os filmes de Billy Wilder com Audrey Hepburn, os dois citados pelo Contente. Sabrina é de 1954, e Amor na Tarde, de 1957.