Censura sem dor

Por que insistem em chamar de “regulação da mídia” , ou “marco regulatório”, ou “controle social da mídia” aquilo que no fundo é uma vontade –com perdão do jogo de palavras – incontrolável de controlar conteúdos?

O pretexto oficial quase sempre é indiscutivelmente saneador e em sâ consciência não há quem se oponha a ele: querem fazer valer a proibição da propriedade cruzada de meios de comunicação, querem proibir que políticos com mandato sejam concessionários de rádios e TVs, querem regulamentar a entrada de empresas de telecomunicação na área de produção e distribuição de conteúdos, e embora já existam várias normas (nunca cumpridas) para tudo isso, sempre sobra um espaço para um pulo do gato final, pobremente disfarçado, por onde querem contrabandear a mercadoria ideológica.

A idéia agora é criar uma Agência Nacional de Comunicação, que, além de cuidar das questões acima, trataria também de avaliar o conteúdo exibido por esses veículos. Não seria censura, dizem, porque a avaliação seria feita “a posteriori”,ou seja, depois que os programas tivessem sido exibidos.

Mas já não existem os códigos civil e penal para dar conta dos abusos? Já não existe o Estatuto da Criança e do Adolescente para preservar os menores da possível influência maléfica dos meios? Já não existem regras proibindo e/ou disciplinando horários e normas para veiculação de publicidade de álcool, tabaco e outros produtos maléficos à saúde? Já não existe a classificação indicativa de idade para exibição de programas adequados ou inadequados a determinadas faixas etárias? Já não cercaram suficientemente, com centenas de normas legais, o sexo, a comida, a bebida, a violência, as doenças, o racismo, o preconceito e todas as mazelas da condição humana?

Há instrumentos legais de sobra para regulação dos meios, e as próprias empresas de comunicação já se ofereceram para criar normas de auto-regulamentação, como o Conar faz com o setor de propaganda, com bastante eficiência.

O problema real é que por trás dessa polêmica está a visão de que a indústria da informação é um “aparelho ideológico” a serviço de uma determinada causa e de uma determinada classe. E, dentro dessa visão, os “aparelhos ideológicos” precisam ser controlados para que deixem de ser instrumento de uma classe, e passem a servir a outra. Gramsci básico, para iniciantes.

Por isso, se você sai por aí dizendo que por trás do “marco regulatório” há uma emboscada para a instituição, indolor que seja, do controle ideológico de conteúdos, ou para ser mais objetivo, de censura, vão apontar o dedo pra você e dizer que você é paranóico, que está defendendo os interesses das empresas de comunicação, que é contra “a democratização da informação” e outras barbaridades.

Chamar as coisas verdadeiras por um apelido falso é um truque antigo, mas quase sempre eficiente, quando se pretende enganar as pessoas. Democratizar, disciplinar, regular, controlar, normatizar – quem teria coragem de se opor a maneiras tão necessárias, tão suaves e tão gentis de censurar?

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 10/12/2010.

Um comentário para “Censura sem dor”

  1. O “marco regulatório” é menos importante no atual Brasil, onde não houve golpe (à primeira vista). Mas, na Venezuela, houve golpe…

    Se as TVs venezuelanas abandonaram uma linguagem crítica e se transformam em meros panfletos eletrônicos, faz mais sentido o “controle social”. Triste América Latina.

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