Cafezinho?

Em busca de uma crônica, vou até à janela.Talvez a rua me inspire, penso. Ou a altura, quem sabe?

Ainda que o oitavo andar altere um pouco a realidade, a vida segue lá embaixo, sem grandes acontecimentos.

Um casal abraçado, passos lentos, uma criança com a mão na mão do pai, passos rápidos, alguns carros apressados, outros nem tanto.

No ponto de táxi, um motorista, jeito de líder, fala. Os colegas, jeito de liderados, ouvem.

Um homem entra na farmácia, sei lá se à procura de remédio, informação, afeto.

A balconista, ainda que a distância não me ajude, parece não lhe dar muita atenção. Nenhuma atenção. Ele gesticula, ela não liga, ele sai.

Do lado de fora, não sei se conformado ou decepcionado, ele olha à direita, à esquerda, consulta o relógio, o celular, ameaça entrar de novo, volta. Fica lá, na rua, quieto. Jeito de abandonado. Não sei se sozinho.

Chego a torcer para que se aproxime dos motoristas de táxi. Haverão de ajudá-lo, imagino.

Torcida inútil. Ele apenas olha. À direita, à esquerda, desinteressado.

− Bem que ele podia entrar na padaria e tomar um café – penso.

A padaria, escandalosamente em frente à farmácia, não chama sua atenção. Parece nem existir.

Quieto, jeito de abandonado, ele não vê a criança que puxa a saia da mãe por causa de um picolé, nem a mulher que não consegue fechar a bolsa cheia demais, nem as duas moças que, tão rápido quanto lavam a louça, servem sucos e cafés.

– Melhor sair da janela – penso. – Esquecer esse homem e sua indecisão. Ou abandono. Ou solidão, sei lá.

Melhor sair da janela. Afinal, se ele não quer tomar café, nem conversar com os motoristas, nem entrar de novo na farmácia, nem ir embora, fazer o quê? Nunca o vi antes, nunca tornarei a vê-lo, fazer o quê?

Vou até a cozinha, tomo água, abro a janela, fecho, a geladeira, fecho, o armário, fecho, ligo o fogão, desligo. Olho à direita, à esquerda, não sei se sozinha.

Segundos depois, xícara de café na mão, meus passos, não tão lentos quanto os do casal de namorados, voltam à janela.

Acho que vou descer lá, penso. Falar com aquele desconhecido. Saber por que não conversa com os motoristas. Porque não entra na padaria, se todo mundo entra, o dia inteiro, a noite também, ele nunca reparou?

Se eu não descer, vou acabar rezando. Que entre, tome um café. Volte à farmácia, fale com outra moça. Ou siga seu caminho, para que eu, passos rápidos como os da criança e seu pai, possa – finalmente – sair da janela e escrever minha crônica.

As crônicas escritas por Vivina de Assis Viana para o Estado de Minas, entre 1990 e 2000, estão sendo republicadas pelo site primeiroprograma.com.br, graças a um trabalho de garimpo feito por Leonel Prata, publicitário, jornalista, editor, roteirista e escritor, um dos autores do livro Damas de Ouro & Valetes Espada (MGuarnieri Editorial). Com a autorização de Vivina e de Leonel, estou aproveitando o trabalho dele e republicando também aqui os textos.

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