No começo, o Jornal da Tarde foi formado pela fusão de várias tribos. A maior delas era a dos mineiros. A diáspora mineira foi produzida por Murilo Felisberto, o secretário de Redação, que recrutou dezenas de talentos que militavam nas redações dos jornais de Minas.
Havia outras tribos menores, como a dos egressos da sucursal paulista do Jornal do Brasil, além dos talentos avulsos, recrutados em redações esparsas.
Guilherme Duncan de Miranda, o Bill, era da tribo do JB.
As tribos se fundiram à perfeição e criaram uma nova identidade única, que veio a formar o espírito JT. Dessa fusão foram surgindo as individualidades, a imposição suave e natural de estilos de comportamento, de estilos de trabalho, de características pessoais mais ou menos marcantes.
Desse silencioso milagre produziu-se uma das redações mais criativas, talentosas, buliçosas, inquietas e, por incrível que pareça, solidárias de que se tem notícia na história recente da imprensa brasileira.
Uma das características da Redação do JT era a efervescência criativa. Nela, conviviam profissionais mais experientes e jovens no estado de graça de ebulição dos hormônios e da imodesta crença na sua própria genialidade e na imortalidade de seus talentos.
Uma estranha estratégia
Bill não pertencia ao grupo dos destemperados. Tinha as bochechas falsamente graves e um ar de condescendência quase paterna para com aquilo que mais tarde, em outro contexto, Humberto Werneck chamaria de “os desatinos da rapaziada”.
Estava sempre disponível para a boemia companheira, a boa e comportada boemia dos fechamentos tardios, das excursões pelos bares da Galeria Metrópole, dos chopes bem tirados e das rodas onde se criavam, tijolo por tijolo, as catedrais do folclore humano das redações.
Era um jornalista talentoso, rigoroso com os cânones da profissão, cuidadoso com as palavras a serem impressas, com os conceitos que constituíam a personalidade e o perfil do jornal ao qual dedicava o melhor de sua energia.
Dividia-se entre jornal e família em rigorosa dupla jornada de afeto e dedicação. Como lembrou Moacir Japiassu num comentário postado no Comunique-se, Bill andava para cima e para baixo com um longo e elegante sobretudo bege que lhe realçava a elegância nas noites frias. O sobretudo viria a fazer parte de sua própria persona. E também, como lembrou seu amigo Mário Marinho, não saía da redação sem antes virar todos os papéis que encontrasse pela frente nas mesas da Redação. Era uma estranha estratégia para retardar ao máximo o abandono de seu posto de trabalho.
Poder moderador
Na fila da porta do elevador, a caminho da parada estratégica para jantar nas redondezas, quando o jornal ainda funcionava na Rua Major Quedinho, no Centro de São Paulo, alguém olhava em volta e perguntava: “Cadê o Bill?”, outro respondia: “Ta virando papel.” Todos sabiam que esse era o ritual – e vida que segue.
Nas crises e nos conflitos naturais de uma Redação vitaminada pelas guerras e guerrilhas de egos e de vaidades à flor da pele, Bill era o porto seguro. Aportavam a seu lado aqueles que queriam ouvir palavras de serenidade, de lucidez, de bom senso. Era uma espécie de poder moderador, um exterminador de conflitos.
Saiu do jornal em 1989 e foi cuidar do Prêmio Esso.
Morreu aos 66 anos depois de lutar seis anos contra um câncer.
Não há ninguém que possa tomar o lugar de Bill Duncan.
Guilherme Duncan de Miranda morreu em 22 de fevereiro de 2009. Este texto de Sandro Vaia foi publicado no dia seguinte no site Observatório da Imprensa.
2 Comentários para “Bill Duncan, o exterminador de conflitos”