Historinhas de redação (9): João Werneck e o foca

– Serginho, Vivaldi escreveu mais de 500 concertos. Ainda não ouvi todos, e muitos deles ainda não ouvi tantas vezes quanto gostaria.

João Werneck me disse essa frase, ou uma frase muito próxima dessa, lá por 1970, ou 1971, quando a redação do Jornal da Tarde ainda era no quinto andar da Major Quedinho, apenas o corredor do tempo nos separando da sisudez do Estadão. Faz mais de 40 anos, e a memória da gente se deteriora, mas posso dizer com segurança que não havia na frase de João Werneck, nem no tom com que ela foi dita, qualquer tipo de soberba, de metideza. Ele falava com a mesma naturalidade que usaria para dizer algo do tipo “hoje está quente, né?”

Me lembro pouco de João Werneck. Era um tantinho mais velho que a média das pessoas no JT da época – a faixa etária na redação era ridiculamente baixa –, e trabalhava como copy na editoria de Política, que englobava também Economia, e era chefiada por Bill Duncan. (O JT só viria a ter uma editoria de Economia mais tarde.) Era uma pessoa simples, extremamente simpática, extremamente competente – e só ouvia música erudita.

Era também uma das pouquíssimas pessoas da redação que me chamavam de Serginho, ou mesmo de Sérgio; praticamente desde que entrei para o JT, em julho de 1970, grudaram em mim esse apelido que nunca mais me largou, Servaz, em contraponto ao já então quase veterano (embora seja só um ou dois anos mais velho que eu) Sérgio Rondino, apelido Serron (do qual ele também não consegue se livrar, por mais que queira). Mas aí estou tergiversando.

Não sei como, acabamos conversando, o veterano João Werneck e o foca verdíssimo Sérgio, ou aquele apelido danado. E ele me falava de música erudita, dos discos que acabara de comprar, das diferentes orquestras, dos diferentes regentes, e eu ouvia fascinado. Até que um dia ousei perguntar se ele também não ouvia música popular, Chico, Caetano, Paul Simon, Dylan.

E ele foi curto e grosso:

– Serginho, Vivaldi escreveu mais de 500 concertos. Ainda não ouvi todos, e muitos deles ainda não ouvi tantas vezes quanto gostaria. Não vou ter tempo na vida para ouvir direito tudo o que Vivaldi escreveu. Nunca vou perder tempo com essas bobagens aí.

Me lembrei da frase dele agora, ouvindo Vivaldi, entre um Chico, um Caetano, um Simon, um Dylan, uma Kate Wolf, uma Joan Baez, um Bach, um Mozart, e muitas outras coisas, e quis anotar a história, mais de quatro décadas depois.

Grande João Werneck.

Março 2011

5 Comentários para “Historinhas de redação (9): João Werneck e o foca”

  1. Foi emocionante ler sobre João Werneck de Castro, retratado com tanto zelo que parecia que era ele mesmo falando. Obrigada.
    Giorgia Werneck

  2. Nossa, Giorgia, sua mensagem é que é emocionante.
    Presumo que você seja filha – ou neta – do João Werneck.
    Um abraço, e muito obrigado pela mensagem, que é o maior elogio que eu poderia receber.
    Sérgio

  3. O pior pranto é o que se chora por dentro. E de nostalgia. Mesmo que o experiente amigo João Werneck de Castro, nos idos da 4 Rodas dos anos 1960 dissesse: “Espanholzinho. Você é muito melodramático e exagerado. A vida é simples; não a complique pois o complicado será você.” E sorria como se passasse a mão na minha cabeça. Não concordo; não é nada complicado sentir tanta saudade dele e daquele tempo quanto eu sinto.

  4. Luis, voce falou em 4 Rodas lembrei do tempo que meu pai trabalhava lá e que, eu e minha mãe eramos manequins posando para algumas reportagens de meu pai. Sinto muita saudades.

  5. Trabalhei com o Carlito Maia e com a Giorgia. Lembro do nome da Irmã dela, Erika. Gostaria muito de reencontrar a Giorgia. Se alguém souber do paradeiro dela…..

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