Pelo simples fato de ser uma imposição, tudo aquilo que é obrigatório tende a ser rejeitado ou feito com alguma má vontade.
Em sã consciência, ninguém festeja quando tem de cumprir algum dever. No máximo, sente-se aliviado depois de fazê-lo.
Ainda assim, muita água mole terá de bater na pedra dura para que o país decida abolir de vez o voto compulsório, instrumento inexistente ou banido em quase a totalidade das democracias maduras.
Sustentada por argumentos não raro discriminatórios, que imputam a pecha da imaturidade ao eleitorado brasileiro, a imposição do ato de votar não só atenta contra a liberdade individual como é, na verdade, absolutamente deseducadora.
Ao contrário do que preconiza a maior parte dos defensores do sufrágio compulsório, a obrigação age no sentido oposto do aprendizado, da conscientização e, portanto, da própria democracia.
Desobriga os partidos e os seus candidatos de uma ação efetiva de convencimento, onde a história e a atuação de cada um teriam de valer mais do que a mera propaganda, e dilui a responsabilidade do eleitor, dos postulantes e dos eleitos.
Milhões vão às urnas não como protagonistas da democracia, mas por imposição.
Outros – por conforto, decisão ou expressão política – decidem simplesmente não ir.
Preferem correr até a um posto dos Correios para justificar a abstenção ou pagar uma multa e, mais cedo ou mais tarde, ser anistiado pelo Legislativo das supostas punições civis.
Ou seja, a obrigação é falácia. Uma determinação legal falsa como uma nota de três reais, que só contribui para aumentar o descrédito dos cidadãos nas leis e do eleitor em tudo aquilo ligado à política.
Mas a sucessão de absurdos não para por aí. Além de transformar direito em dever, no Brasil a obrigatoriedade do voto rende dividendos financeiros aos partidos políticos.
No último pleito, a tal multa por não votar – fixada pelo juiz eleitoral de cada localidade – girou em torno de R$ 3,00.
Irrisória para a maioria e sujeita à dispensa para aqueles que comprovem a incapacidade de quitá-la, essa quantia individual ínfima engorda, eleição sim e outra também, os recursos que são distribuídos entre as agremiações partidárias.
Parece pouco, mas não é. Multiplique por três a abstenção de mais de 20 milhões no primeiro turno das eleições de 2006 e de outros quase 24 milhões no segundo e chega-se a mais de R$ 130 milhões.
Outra regra de composição do fundo partidário determina que a União deposite R$ 0,97 por cada eleitor registrado até o dia 31 de dezembro do ano anterior às eleições.
Uma bolada que, neste ano, deve render outros R$ 130 milhões aos partidos, considerando-se o número de eleitores aptos a votar em outubro.
Essa é, possivelmente, a inspiração das curiosas propostas parlamentares que associam a adoção do voto facultativo à obrigatoriedade do alistamento eleitoral. Faculta-se o direito, mas mantém-se a fonte de renda.
É claro que a natureza das motivações que impede a alforria ao eleitor brasileiro vai muito além da inescrupulosa arrecadação obtida em cima daqueles que optam por não participar da eleição. O poço é muito mais fundo.
Manter a letargia do eleitorado e poder se esconder sob uma votação numérica expressiva – mesmo proveniente de uma massa que só vota por obrigação – é bastante sedutor para aqueles que se lixam para esses mesmos eleitores e muito menos para o país.
PS: Como a liberdade do cidadão de querer ou não votar é um tema que considero fundamental, pretendo usar este espaço para outras considerações em favor do voto facultativo.
Este artigo foi escrito para o Blog do Noblat.
Eu sempre achei que, se o voto não fosse obrigatório, o pessoal não ia largar a cervejinha (proibida? imagine) e a tevê para encarar fila e chateação em troca de nada palpável. Seu artigo me abriu os olhos, mas nem tanto. Continuo com a impertinente dúvida, porque entre o nosso paraíso tropical, com baixo ou nenhum sentimento de cidadania, e países como os States, ainda vai longa distância. Sem querer misturar as bolas, mas misturando, a guerrilha urbana se ferrou muito porque as massas não atendiam ao chamamento – estavam a caminho do estádio. Nos tempos de hoje, em que a lama da política cobre páginas e telas, será que o povão vai se abalar até a zona eleitoral, se não for sob coerção? Meu medo é que só os grandes currais organizados consigam levar sua manada.
Caríssimo Valdir,
Muita gente tem dúvida quanto ao voto facultativo. Uma delas é exatamente quanto aos curruais eleitorais. Mas o que acontece hoje? Esses currais existem do mesmo jeito – pelo voto troca-se tudo, da boa dentadura à condução gratuita para ir votar. Pior, como é obrigatório, o eleitor não tem escapatória. Acredita que se não for terá problemas. Argumentos contra a liberdade do voto não faltam e serão temas de outros artigos. Mas, será que nós somos assim tão atrasados que temos de continuar fazendo parte de uma minoria dos países que não respeitam a decisão do eleitor de simplesmente não ir votar. O recente exemplo do Chile, uma democracia cada vez mais madura, em que o alistamento eleitoral é facultativo nos mostra que esse é, sem dúvida, o melhor caminho.
Mary,
concordo com todas as linhas e entrelinhas. Você conhece alguém que siga pela vida repetindo, exaustivamente, exercícios de matemática, ou seja do que for, não aprendidos nem apreendidos, mas apenas decorados, nos bancos escolares?
Voto obrigatório é igual. Você repete, a vida inteira, a licão decorada sabe-se lá onde, sabe-se lá por que razão.
Se fosse facultativo, o voto seria como a leitura de um livro que nos seduz.
De tempos em tempos, a cada nova leitura (leia-se “a cada nova eleição”), haveríamos de renovar os sonhos.
Seria sonhar demais?
Beijo
Vivina.
muito legal