Silvie, uma querida amiga francesa, possui bela casa em Saint-Pierre-Sur-Mer, na Riviera. À frente da vivenda que se debruça sobre águas de azul profundo, há um lindo muro de pedras no qual vivem viçosos tufos de primaveras (buganvílias) de muitas cores, além de outras plantinhas cobertas de botões brancos, vermelhos, alaranjados. Um dia, faz alguns anos, atendendo a insistentes convites meus, ela veio conhecer esta pequena ilhota na foz do Rio Amazonas, de onde ora escrevo. Como não sacava nada de Amazônia, armou-se de uma traquitanada enorme para a aventura. Sua primeira surpresa foi que, com inúmeros tipos de repelentes de insetos na trouxa, nunca usou nenhum, uma vez que neste pedaço, por causa do vento constante, não há mosquitos.
– Meu Deus – me disse – no verão, lá na Riviera, fica assim de pernilongos…
Bom, mas em uma semana a andar pelo meu pedacinho de mundo selvagem, Silvie sugeriu que eu erguesse, em algum lugar, um muro que poderia, como o seu na Europa, ser recoberto pelas primaveras. Argumentei que ficaria esquisito algo solto no meio do pomar. Mas ela tinha a resposta:
– Vamos fazer uma Capela, pode até ser mais distante. Colocaremos as plantas entre as pedras e ficará lindo como o que tenho em Saint-Pierre.
Como minha intenção era tornar a estada da moça a melhor possível, concordei. Sabendo que ela, arquiteta, desenha muito bem, pedi que fizesse um esboço para a fachada da construção. Garantindo que como não poderia concluí-la nos breves dias da visita, depois tocaria aos poucos. Algo me dizia que eu estava pregando uma mentirinha, todavia, assim foi feito. E tive no papel uma espécie de muro com o devido espaço para a colocação das portas.
Isto posto o primeiro problema foi arranjar as pedras. Inexistentes na ilha, fomos buscá-las no outro lado da imensa baía. E como só eu, a francesa e seu Pluéricles, o caseiro, mais a esposa dele, não poderíamos tocar a obra, contratei dois peões.
Ora, amigos, vamos logo dizer que a entrada da capela ficou linda. Trabalhamos num pequeno descampado na beira d’água, a uma boa distância do meu casebre de madeira. Ajeitamos mudas e espalhamos sementes de flores nas frestas e no sopé, sem esquecer das heras; ao final, Silvie me disse:
– Deixe o resto com o tempo, a natureza e as chuvas…
Na verdade conto essa história porque isso aconteceu faz mais de cinco anos. E, neste tempo todo, verdade seja dita, depois que minha amiga tornou ao Velho Mundo, nunca mais fui checar o muro que seria a entrada da Capela. Afinal passo, às vezes, até quatro meses sem vir aqui, o que, na realidade, só adubou de encantamento o que sucedeu dias depois de minha chegada para a atual temporada. É que ouvi, à noite, no radinho de pilha, noticiário sobre algumas ações do presidente Sarkozy e lembrei da minha amiga. Assim, ao amanhecer, parti para sacar o estado da fachada de pedras. Chegando ao local tomei um susto. Pois a quantidade de flores, primaveras e outras, além da hera viçosa a subir, não poderia ser mais impressionante. Assim é que tomei ânimo e, horas depois, atravessei a baía a fim de ligar para Silvie. Quem atendeu foi Ninon, a irmã.
– Ah, você não sabia? Minha mana casou novamente. Viajou na semana passada para o Timor Leste.
– Puxa, a lua de mel não poderia ser em outro lugar?
– Não, não foi lua de mel. É que o novo marido é pastor batista, foram pra lá construir um templo.
– Uma capela?
– Bom, ela falou templo, mas você pode chamar de capela.
Tornando à ilha, não consigo deixar de pensar na obra inconclusa. De todo modo, com tantas flores nascidas entre as pedras e pelo chão, Silvie me deu um pequeno recanto belíssimo. Quem sabe tão bom para o recolhimento espiritual como o que está ajudando a erguer no Timor. Merci.
Esta crônica foi publicada no Correio Popular, de Campinas.