Nota: No início dos anos 70, li o Decameron de Boccaccio. A quarta novela da sétima jornada me fez lembrar de uma das historinhas que minha avó contava. Havia variações quanto a local e detalhes mas a essência era a mesma. Fiquei pensando em outras histórias de minha avó, analfabeta. Fiz um levantamento de todas, ela contava e recontava a cada vez que pedíamos. Percebi que nas minhas leituras nunca tinha encontrado algumas daquelas histórias. E resolvi anotar todas, para não esquecê-las. O resultado foi esse livinho, Conta outra, vó. A Sandália, o segundo conto, é a variante encontrada no Decameron..
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Conta outra, vó
Após a morte de minha mãe (eu tinha 11 anos) minha avó materna veio morar conosco no Rio, pra ajudar nas tarefas da casa. Todas as tardes sentávamo-nos no chão da cozinha e conversávamos longo tempo. Isto começou em 1954 e durou uns quatro anos. E sempre pedíamos uma historinha. Continue lendo “Conta outra, vó”
garças e abutres chegados da terra do urubu-rei. capítulo 25
25. Finale
Foi numa das muitas tardes em que deveríamos rezar alto, se não me engano, após o hino nacional, devendo subir em seguida. Naquele crepúsculo de sonho, ameaçando mais um pesadelo de cegueira noturna, naquela tarde vermelho-fogo, disseram que iam ler a lista dos novos desligados. Os nomes voariam sobre o silêncio, como pássaros sagrados. Pousassem num dos morto-vivos, e ele seria ressuscitado. Continue lendo “garças e abutres chegados da terra do urubu-rei. capítulo 25”
garças e abutres chegados da terra do urubu-rei. capítulo 24
24. Rebelião
Após a morte de Pirueta, seguiu-se um período de silêncio e terror. Ali, sim, ninguém estava disposto a sorrir. Meus amiguinhos me contavam que ele tinha morrido de tanto apanhar. Falavam baixinho, medrosos de que um outro ouvisse e contasse. Continue lendo “garças e abutres chegados da terra do urubu-rei. capítulo 24”
garças e abutres chegados da terra do urubu-rei. capítulo 23
23. Pirueta
No Pátio dos Milagres não havia um rei dos mendigos?
No dormitório do Diabo, a apertada e mal-cheirosa extensão do reino da agonia, elegeram o Rei dos Mijões. Continue lendo “garças e abutres chegados da terra do urubu-rei. capítulo 23”
garças e abutres chegados da terra do urubu-rei. capítulo 22
22. Os mijões
Ou não teriam zombado, por ser aquele um espetáculo comum? Continue lendo “garças e abutres chegados da terra do urubu-rei. capítulo 22”
garças e abutres chegados da terra do urubu-rei. capítulo 21
21. Escuridão e diarréia
Não tivesse nascido aquele deus e muita coisa desagradável não teria acontecido. Continue lendo “garças e abutres chegados da terra do urubu-rei. capítulo 21”
garças e abutres chegados da terra do urubu-rei. capítulo 20
20. Festas
No final do ano, outubro ou novembro, chegou ao colégio um minúsculo grupo arisco e sorridente de menininhos de cinco anos. Sempiternas divindades! Cinco anos! De que orfanato teriam sobrado? Que freira teve que separá-los, escolhendo por este ou aquele critério, aqueles que deveriam alojar-se no meio daquela coleção da zoologia humana, ratos, cães, chacais? Continue lendo “garças e abutres chegados da terra do urubu-rei. capítulo 20”
garças e abutres chegados da terra do urubu-rei. capítulo 19
19. Retalhos
Há um bando aflito de pequenas lembranças me incomodando, exigindo registro. São pequeninas garças inquietas, inofensivas, apagadas. Batem-se dentro da gaiola da minha memória e, se eu as solto, elas partem numa vertigem. Continue lendo “garças e abutres chegados da terra do urubu-rei. capítulo 19”
garças e abutres chegados da terra do urubu-rei. capítulo 18
18. Impressões de um mundo distante
Sempre me tenho perguntado sobre meu aprendizado e minhas reações, na época, com relação aos problemas sexuais. Sei bem que a situação que presenciei era caótica, anormal e densa. Mas isto eu sei por outros caminhos, leitura, filmes, documentos, deduções. Me pergunto, pois, sobre o que eu já sabia, o que vi, o que aprendi ali dentro. Continue lendo “garças e abutres chegados da terra do urubu-rei. capítulo 18”
garças e abutres chegados da terra do urubu-rei. capítulo 17
17. Dor de ouvido e cegueira noturna
Quantas vezes entrou ali dentro a figura branda de um médico de mãos caridosas? Não me lembro de uma. Uma enfermeira? Nenhuma. Um farmacêutico? Nunca. Continue lendo “garças e abutres chegados da terra do urubu-rei. capítulo 17”
garças e abutres chegados da terra do urubu-rei. capítulo 16
16. A igreja
Não devia ser muito grande nem muito rica. Mas forçosamente haveria algum dourado, alguma flor, alguma vela acesa ou luminária pendente de um longo fio, algum vidro colorido, ficava bonito. Continue lendo “garças e abutres chegados da terra do urubu-rei. capítulo 16”
garças e abutres chegados da terra do urubu-rei. capítulo 15
15. Jorge de Souza Félix
É muito estranho lembrar.
Surgiram, no começo dessa minha tentativa de penetrar nos labirintos de minha memória, as imagens de garças e de abutres. Garças seriam pálidas lembranças de fatos agradáveis; abutres, qualquer cena mais assustadora. Nalguns momentos parece que eles se misturam. Continue lendo “garças e abutres chegados da terra do urubu-rei. capítulo 15”
garças e abutres chegados da terra do urubu-rei. capítulo 14
14. Sereias, caminhões, a felicidade da criança abrange mais de um capítulo
É reconfortante perceber que minhas perdidas alegrias ultrapassam um capítulo. Pois, o que vier após as lembranças dessas manhãs de brincadeiras, mais parece uma noite de pesadelos. Continue lendo “garças e abutres chegados da terra do urubu-rei. capítulo 14”
garças e abutres chegados da terra do urubu-rei. capítulo 13
13. Joaninhas, brincadeiras, diversões, raios de luz nunca apagados
Dalton Trevisan, no conto O Espião, escreve que aquelas meninas nunca sorriam. Mentira! Acho que é mentira! A alma da criança não é uma corda eternamente esticada. Há de haver, aqui e ali, longe da palmatória e logo depois da comida, momentos fugazes em que a canção suba, o sorriso brote, o brinquedo distraia. Continue lendo “garças e abutres chegados da terra do urubu-rei. capítulo 13”