O Itamaraty bolivariano

O movimento bolivariano, seja lá o que isso signifique, teve neste dia 10 de janeiro o seu ápice de surrealismo, com a oficialização do mandato de um presidente que já governa há 14 anos e tomou – mas não tomou – posse, de corpo ausente, de um cargo conquistado em eleições recentes.

Como se sabe, a Constituição venezuelana, que se presta a assumir as mais diversas formas, como uma bala puxa-puxa com que as crianças gostam de brincar, institucionalizou a reeleição perene, fazendo da alternância de poder um intrincado quebra-cabeças difícil de montar ou uma montanha difícil de escalar.

Formalmente, a Venezuela não é uma ditadura, mas também seria um exagero chamá-la de democracia. Um lugar onde o presidente ocupa a rede nacional de televisão para falar de 3 a 4 horas por dia durante cerca de 260 dias por ano não chega a ser um exemplo de oportunidades iguais para todos.

Reza a Constituição chavista do país, elaborada pelo partido de Hugo Chávez e interpretada por uma Suprema Corte expurgada de juízes independentes, que o presidente da República deve tomar posse no dia 10 de janeiro diante da Assembléia Nacional, ou se isso não for possível, diante do Tribunal Supremo de Justiça.

Como Hugo Chávez está em Havana convalescendo ( seria essa a palavra certa?) de sua quarta operação contra um misterioso câncer na região pélvica, deu-se um daqueles fenômenos que uma escola de escritores latino-americanos chama de “realismo fantástico”: o mandato do presidente começou sem a presença do presidente.

Com a transparência que caracteriza os regimes autoritários e populistas não só da América Latina mas de qualquer parte do mundo, o governo venezuelano não informa com a devida clareza qual é o verdadeiro estado de saúde do presidente operado e quais são as verdadeiras chances de que venha a tomar posse dentro do tempo hábil previsto pela própria Constituição, antes que se comece a contar o tempo previsto para a marcação de novas eleições.

Uma confusão e tanto. Maduro, o vice não eleito e nomeado pelo próprio Chávez como seu sucessor, governará por tempo indeterminado até que se saiba se o próprio chefe terá condições de assumir e quando.

Como aconteceu antes em Honduras e no Paraguai, a diplomacia brasileira não hesitou em tomar a posição mais duvidosa possível, desde que o rigor técnico histórico do Itamaraty foi substituído pelo ativismo partidário do governo petista.

Em vez da cautela da diplomacia, o Itamaraty optou mais uma vez por aplicar o ativismo da ideologia com todos os riscos que isso traz para a reputação do País.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 11/1/2013.

2 Comentários para “O Itamaraty bolivariano”

  1. O iTAMARATY BOLIVARIANO lembra a CIA DEMOCRÁTICA de intervencionismo na política de países colonizados. O imperialismo econômico do Brasil na América do Sul tem implicâncias diretas nesta intervenção, com propósitos escusos, na Venezuela. A morte anunciada de Chavez terá repercussões geopolíticas, que interessam ao Itamaraty.

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