A tragédia grega

O altar do deus Dionísio (fecundidade e embriaguez) ficava no centro de um círculo. Nesse círculo um coro dançava e cantava hinos em homenagem ao deus. Esses hinos eram os ditirambos. Segundo indicações, os cantores se cobriam com peles de bode; o bode era consagrado ao deus e sacrificado durante as festas. Aristóteles define a palavra tragédia como junção de “trag” e “ode”, o que significa “o canto do bode”.

No século VI aC, um grego chamado Téspis introduziu um ator que dialogava com os cantores, apresentando comentários ou fazendo perguntas. O coro cantava e o ator falava. Com o passar do tempo, os cantos se tornaram cada vez mais ricos e variados e o momento do culto oportunizava a narração de histórias, não necessariamente relacionadas com o deus Dionísio. De acordo com o papel que desempenhava, o ator vestia roupagens diferentes.

Aristóteles escreveu que esta ação era uma “imitação da vida”. Eis a origem da tragédia.

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Durante o século de Péricles (500-400 aC) as tragédias atingiram seu apogeu. As apresentações eram verdadeiras festas nacionais, que atraíam visitantes de todo o mundo grego. Por essa ocasião, já o espaço teatral se tinha desenvolvido e apresentava sua arquitetura específica. O círculo (orquestra) para a apresentação se situava junto a uma colina e o declive do terreno era aproveitado para uma escadaria, onde se sentava a audiência. Atrás da orquestra havia uma casinha comprida (a “skene” – no começo apenas um tipo de tenda de pano), onde os atores trocavam os figurinos. Todos traziam máscaras com cores definidas e expressões faciais fixas, facilitando aos espectadores a compreensão dos personagens. (Os famosos coturnos – sapatos com sola e salto muito altos, para aumentar a estatura dos personagens – só aparecerão após a conquista de toda a Grécia, feita por Alexandre Magno).

Entre a construção (skene) e a orquestra havia uma espécie de terraço, onde os atores representavam (algumas vezes eles desciam ao círculo do coro). E um terraço mais alto, atrás da “skene”, onde surgiam sentinelas ou até deuses.

As tragédias sempre eram apresentadas em grupos de 3 – as trilogias -, e após a trilogia via-se um drama satírico. Nem sempre as trilogias mostravam a sequência de uma mesma história.

Um cidadão muito rico era nomeado para assumir as despesas de cada dramaturgo; ele devia escolher as pessoas para o coro e pagar tudo durante os ensaios. Geralmente o próprio autor dirigia os ensaios e a apresentação. Dez juízes eram indicados e entre eles sorteavam-se cinco, para o julgamento da melhor obra. O autor da trilogia vencedora recebia um prêmio em dinheiro.

Em função de seu próprio desenvolvimento, derivada dos hinos dionisíacos misturados com diálogos, a tragédia grega finalmente se transformou numa apresentação artística de forma mais ou menos fixa. Primeiro, havia o Prólogo, onde a fala de um personagem anunciava o tema do drama. A seguir, entrava o coro, cantando seu primeiro canto. Depois disso, um trecho de diálogo entre os personagens, chamado de episódio. Entre um episódio e outro, o coro cantava novamente, ora para comentar o acontecido, ora para mostrar a passagem de algum tempo. Após a consumação trágica, o coro saía cantando. Enquanto cantavam, os elementos do coro, divididos em dois grupos, dançavam lentamente. Algumas vezes o diálogo do protagonista acontecia com o chefe do coro – o coreuta – e não com outro personagem.

Todos os atores da tragédia grega eram homens. Geralmente os mais jovens assumiam os papéis femininos. (Isso se repetirá no período elizabetano, nas peças de Shakespeare e seus contemporâneos.)

Em algumas peças, também os atores cantavam. Também era possível uma cena em que um personagem cantava e outro respondia com fala. Havia também monólogos ao som de música, o melodrama. Toda a música da tragédia consistia apenas no toque de uma flauta.

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Três grandes dramaturgos deixaram uma obra soberba: Ésquilo, Sófocles e Eurípides. Infelizmente perdeu-se a maioria das aproximadamente 270 obras feitas pelos três. Atualmente temos 7 tragédias de Ésquilo, 7 de Sófocles e 17 (ou 18) de Eurípides.

Ésquilo (525-456 aC) introduziu um segundo ator para dialogar e isto muito enriqueceu a possibilidade de se criar um verdadeiro teatro. Nas suas tragédias o coro desempenha um importantíssimo papel, exatamente como acontecia nos rituais de Dionísio. Em algumas das peças é o coro o verdadeiro protagonista da ação. Os dois atores tinham diversas atuações cada um, entravam e saíam de cena com papéis diferentes. A mais antiga tragédia de Ésquilo é um exemplo vivo dessa forma teatral: As Suplicantes. O coro é formado por moças gregas que fugiram do Egito até Argos para escapar de um casamento com seus primos, os filhos do rei. A cena mostra o pedido de asilo.

Das 7 tragédias de Ésquilo, três formam a única trilogia que se conservou intacta até nossos dias: A Oréstia, com as tragédias Agamenon, As Coéforas (portadoras de oferenda para os mortos) e As Eumênides (fúrias que perseguem os culpados de assassinato).

O teatro de Ésquilo é eloquente, solene, hierático. Seus temas são a justiça e a obediência aos deuses. Os cantos do coro são longos. A estrutura dramática é simples e não há aprofundamento na personalidade do herói. Cada personagem tem um papel bem determinado. Mas dentro deste painel, quase sem movimento, se desenvolve uma luta terrível entre os elementos que participam da tragédia. Aristófanes, o grande comediógrafo, dizia que Ésquilo era um “criador de abismos”. Seu trabalho mais conhecido é Prometeu Encadeado.

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Sófocles (495-405aC) foi o mais estimado dramaturgo em seu tempo. Ainda jovem, participou em corais de odes e tragédias de outros dramaturgos e, mais tarde, quando ele mesmo passou a criar tragédias, foi ele quem mais vezes foi o premiado. Sófocles introduziu um terceiro ator e isto permitiu intrigas mais elaboradas, já que em alguns episódios surgem três personagens em cena, além do próprio coro. Apesar da pequena diferença de tempo entre ele e Ésquilo (em algumas ocasiões ambos disputaram o mesmo prêmio), Sófocles deu um grande passo em direção ao aprofundamento da psicologia de seus personagens.

O teatro de Sófocles é lírico, menos solene que o de Ésquilo, mas bem mais profundo e humano. A religião não desempenha um papel tão importante e em algumas de suas obras os personagens lutam contra uma fatalidade impiedosa. Isto é mostrado principalmente em Édipo Rei. Sófocles é considerado como o artista mais harmonioso de seu tempo. Aristóteles registrou em seu estudo sobre as tragédias gregas que Édipo Rei é a mais perfeita entre todas.

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Eurípides (480-406aC), o último dos grandes trágicos, foi no seu tempo considerado como de mau gosto e de emoções exageradas. Recebeu menos prêmios do que seus rivais. Todavia, curiosamente, foi ele quem deixou uma maior quantidade de tragédias completas. Para nós, seu teatro é bem mais atual. Provavelmente pelo realismo que ele imprimiu em sua obra. Diminuiu a importância do coro, quase anulando-a, e introduziu nas suas peças elementos demasiado humanos, mendigos, esfarrapados, camponeses. Mas seu maior sucesso vem do fato de que ele mostra em profundidade a alma humana. Seus personagens apresentam disputas cheias de sofismas e põem a nu emoções violentas como vingança, paixões cegas, malícia. Ou são exemplos notáveis de amor filial, abnegação. Aproveitava os comentários do coro para criticar alguns costumes religiosos ou mesmo para zombar de algumas passagens da mitologia.

Dentre os três trágicos, é o que melhor consegue criar um vínculo entre o personagem e o espectador. E é também o que mostra com frequência papéis femininos inesquecíveis.

Jorge Teles escreveu este texto a meu pedido, para ajudar a compreender o contexto em que foram criadas as tragédias gregas clássicas, como Electra, transformada em filme por Michael Cacoyannis em 1962. (Sérgio Vaz)

 

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