Impossível não falar na chuva quando ela bate incessantemente nos telhados, alagando ruas, derrubando casas e muros, destruindo esperanças e conquistas.
Um pavor assistir à enchente chegando, virando carros, paralisando o trânsito, desbarrancando morros. Ela, que lava tudo, sujando de lama as avenidas, os quartos, os móveis. O tempo é dela, mas a cada ano ela nos engana mais. Fica meses desaparecida, deixando secas as gargantas e o ar das cidades. Todos reclamam de sua ausência, clamam aos céus e aos santos de todas as religiões para que ela volte.
No fundo, a querem mansa, prazenteira, como nos dizia Jobim. Mas ela é cheia de vontades. Reaparece por trás de raios e trovões. No ano passado não respeitou, na serra fluminense, nem a morada do Maestro, que veio abaixo sem dó nem piedade.
Um senhor, no elevador, lembra que ela boa para os reservatórios de água que dão luz. Para o resto do ano é bom, mas as cidades sofrem muito com o ímpeto plúmbeo. E a luz elétrica, que no Brasil dela depende, acaba sumindo com os postes, torres e fiação desmantelados.
Para as plantações ela é indispensável. Mas mesmo nesse caso costuma fazer estragos, descendo com violência ou em forma de granizo. O certo é que não há quem a controle e muitos dizem que o seu desvario vem da ação irresponsável dos seres humanos, que tratam o planeta como se tudo fosse permitido e nada nos seria cobrado.
É claro que haviam tragédias climáticas nos tempos antigos. E, por causa da morosidade das comunicações, não eram do conhecimento da maioria da humanidade. Mas a natureza está gritando muito forte, e com uma constância nunca imaginada, para que a ouçamos.Tantos eventos catastróficos quase diários em todas as regiões do mundo não podem ser devidos apenas à coincidência.
O verdismo comete exageros e equívocos que, se não comprometem, não ajudam a avançar o desejo coletivo de uma Terra mais limpa e habitável.
E os que se põem radicalmente contra qualquer medida de combate à poluição desenfreada praticada em nome de um desenvolvimentismo suicida precisam ser mais razoáveis e menos egoístas.
Volto à chuva que cai nesses dias. Limpei com antecedência as calhas de casa ( uma árvore municipal vizinha despeja um mar de sementinhas no meu telhado). Por essa precaução, posso ouvir sossegado a tempestade que molha a cidade e, graças, não pinga aqui dentro.
Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em dezembro de 2011.