Ele chega todas as noites por volta das dez e começa a remexer no lixo que as pessoas continuam jogando no passeio da esquina em frente. Junta todos os plásticos que encontra, mais alguns objetos inflamáveis, e põe fogo. Não é uma fogueira grande e a fumaça não se espalha muito. Fica em volta, em pé ou sentado nos calcanhares, por um bom tempo. Da minha janela, eu tento entender o que lhe passa pela cabeça, o que o faz agir dessa maneira. De repente, sempre em silêncio, ele apaga sua fogueirinha com um jato de urina e se afasta lentamente de minha visão. No dia seguinte ele volta a ocupar seu espaço na rua deserta. Não sei que tarefas mais ele desempenha ao longo dos dias. Já pensei em seguir seus passos e investigar o rumo que ele toma ou até descer de casa, ir até ele e puxar uma conversa. Mas eu não me sinto no direito de me intrometer em seu trabalho e nem desejo assustá-lo. Fico com meus pensamentos e deixo o homem em paz.
Essa rua é mesmo surpreendente, apesar de seu pequeno movimento. Outro dia, em plena tarde, desceram por ela o Batman e o Robin. Calmamente, conversando baixo. Não era carnaval e eu não estou louco, apesar de haver gente que diga que não há Brant que não o seja. Passaram diante de minha janela e se dirigiram para a avenida. Deviam estar fantasiados para trabalhar em alguma festa infantil. Mas não deixa de ser estranho ver passar diante do seu olhar a dupla dinâmica, no meio de uma tarde de muito calor. Dá, por instantes, para pensar que é uma alucinação.
O personagem que faz arder os plásticos do lixo e os heróis infantis materializados no meu verão não me incomodam. A vizinhança esconde situações menos bizarras e mais graves. Quem me fala é o funcionário da Prefeitura que, mensalmente, bate em minha porta para verificar se continuamos a deixar a casa livre do mosquito da dengue. Aprecio o cuidado do servidor público e faço a minha parte, por interesse próprio e coletivo. Uma simples questão de civilidade.
Fico sabendo que uma vizinha bem próxima, depois de ser advertida por duas vezes pelo fato de manter sua caixa d´água sem tampa, destratou-o e disse-lhe que não seguiria sua recomendação. O rapaz, então, mostrou-me uma pequena amostra da água colhida na casa da vizinha. Tinha mais larva do que líquido naquele vidrinho. Ele lavrou um segundo registro de infração e comunicou que o caso seria relatado para a sua supervisora.
Fico agora de olho no perigo. Diariamente vou verificar se alguma providência foi tomada. Até hoje a tal vizinha ignorante não pôs a tampa necessária.
Enquanto aguardo a ação da Autoridade , fico sem saber se posso tomar um solzinho nas horas vagas ou se terei de fechar todas as minhas janelas para o mundo.
P.S. : com o Egito e os egípcios no coração.
Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em 2/2011.
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