Encontro na banca de jornais a reedição de um exemplar raro da revista Realidade. Era uma edição toda dedicada à mulher brasileira, proibida pela censura e recolhida em todas as cidades do país.
E o que tinha de agressivo naquelas páginas publicadas em janeiro de 1967, lá se vão quase 44 anos? Uma entrevista corajosa, para a época, da atriz Ítala Nandi, revelando publicamente seus sentimentos em relação à posição subalterna das mulheres brasileiras em nossa sociedade, a opressão religiosa, familiar e civil. Estava longe, ela confessa, da liberdade existencial presente em recente entrevista da sueca Ingrid Thulin.
Moças contam suas histórias de casamento infeliz e do alívio com o desquite, aquela solução meia-sola que vigorava no Brasil de então. Algumas revelam a felicidade de serem mães sem casamento.
Os textos realçam a penosa realidade feminina no mundo do trabalho. Mas o que irritou mesmo o cardeal de São Paulo, e o que o levou a exigir do governador a proibição, foi uma foto de um bebê, recém nascido, logo desnudo, nas mãos de um médico. Olha-se para aquela fotografia e é impossível, para quem nasceu depois desse acontecimento, compreender como alguém possa ter visto nela escândalo e maldade. O momento maior de nossa vida, o nascimento e a procriação de nossa espécie, tratado com um preconceito inconcebível em nossos dias.
Muita água rolou nestas quatro décadas, muito se fez no rumo de se desobstruir o caminho das mulheres em casa, na rua e no trabalho. Estamos assistindo a um fato inédito, que não deveria ser inédito, de uma brasileira assumir a presidência da República. Com ela sobem a rampa do Planalto muitas outras, nomeadas ministras. É um fato para ser comemorado e eu me orgulho de presenciar esse momento.
Mas eu me pergunto se o que se andou neste quase meio século foi o bastante. Sabemos que não. Ainda há muita intolerância, machismo e ignorância no convívio entre homens e mulheres. Há muita violência nos lares, muito desrespeito, muita gente estreita, que se acha senhora proprietária de pessoas. É necessário que se areje mais e mais as mentalidades.
Para celebrar esse momento, e esperando que a estrada da igualdade continue e ser trilhada, dedico a todas as mulheres do Brasil essa canção minha e do Tavinho Moura, “ Amor Delicado”:
O amor é delicado / a mulher é artesã
do fio da meada / das luzes da manhã.
A mulher é que costura/ a leveza dessa lã
a mulher é que tempera / o gosto da maçã.
A mulher dá o perfume suave e persistente
que o corpo não pode ver mas a alma sabe e sente.
O amor é delicado / a mulher, a guardiã
feminino é o divino e Deus é uma mulher.
Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em dezembro de 2010.
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