Para ser franco, acho absolutamente fascinante uma pessoa viver longos 88 anos sem nunca ter trabalhado. Principalmente se, nessa quase centenária vagabundagem, usufruiu sempre daquilo que os trabalhadores classificam como “do bom e do melhor”. Referindo-se, naturalmente, a comidas, bebidas, mas, sobretudo, belas mulheres. Até porque trabalhar, como se sabe e os chamados livros sagrados estão aí para confirmar, é um castigo de Deus. Vigente desde que, pelo motivo que todos sacam, Ele foi obrigado a expulsar Adão e Eva do Paraíso ordenando, com voz tonitruante, que passassem a ganhar o pão com o suor do próprio rosto.
Está claro que não sou afeito aos segredos de alcova dos outros, mas tenho sinceras dúvidas se o playboy Jorginho Guinle papou, mesmo, todas aquelas atrizes que costumava jurar que levou para a cama. E, no tema, só posso achar que foi bafo-de-boca ele jurar que faturou até a Marilyn Monroe, antes da fama, por 200 dólares de, digamos, cachê. Nessas condições, o traço mais fantástico da sua vida, para mim, acaba sendo o de que nunca precisou trampar.
Porém, na verdade, o que queria contar é que conheci, em carne e osso, o agora falecido bon vivant. Assim: o Porto de Santos, cuja administração fora concedida, por ato do imperador, à sua família, teria que ser devolvido ao governo 99 anos depois, e a data caiu em 1980. Eu estava lá na cerimônia de devolução porque havia sido convidado, pela Portobras, para organizar a assessoria de imprensa do grande terminal. E, entre os vários membros do clã Guinle, envergando vistoso terno branco, encontrava-se o estrelado playboy. Sobre quem, naturalmente, convergiam os olhares. Apesar da presença do governador do Estado, ministros, prefeito, deputados, senadores, ou, para resumir, todas as autoridades civis, militares e eclesiásticas.
Por uma dessas contingências do protocolo da festa acabou sobrando para mim e para o jornalista Celso Teixeira Leite, assessor de imprensa da Portobras, ciceronear Jorginho para uma vista ao porto, um dos empreendimentos de onde saiu a grana que sustentou o boa vida. Andamos ao longo do cais e, para finalizar a, se podemos chamar assim, excursão, passamos para a margem oposta do canal, onde ficava o Terminal de Fertilizantes que, na verdade, não era um lugar muito limpo. Para atingir certo galpão, precisávamos passar por abertura que se encontrava entulhada com alguns tijolos. Eu mesmo me abaixei e peguei dois, enquanto Celso fez o mesmo com outros. Então virei para o famoso visitante e pedi que pegasse um, que travava a porta.
– Não – ele respondeu -, me desculpe, me desculpe mesmo, mas não posso fazer isso…
Rapidamente, sem dizer nada, meu colega se apressou em fazê-lo, imaginando que o elegante senhor poderia estar com algum problema na coluna, impedido, assim, de se abaixar. Porém logo Jorginho, com um bom sorriso, explicou:
– Uma das famas que tenho, e que faço questão de manter, é de nunca, nesta vida, ter carregado sequer um tijolo. Não é agora que vou fazer isso, ainda mais na frente de dois jornalistas. Faço questão absoluta de não manchar minha biografia…
Deu uma bela gargalhada e fomos em frente. Afinal, de fato, ele tinha certo sense of humour. Mas, daquele tamanho, usando sapato de salto para parecer mais alto, me deu certeza de que, até, pode ter almoçado algumas beldades do segundo time de Hollywood. Mas Kim Novak, a mulher dos meus sonhos, continuo e ter plena certeza que não almoçou…
Esta crônica foi originalmente publicada no Correio Popular