Entre o palanque e a diplomacia

À medida que se aproxima o prazo final para a entrada em vigor do tarifaço imposto por Donald Trump — 1º de agosto —, o governo brasileiro revela um descompasso interno que fragiliza sua atuação internacional. A crise provocada pelas medidas protecionistas dos EUA revelou uma divisão tática de papéis: o discurso de Lula mobiliza sua base, enquanto ações diplomáticas e gestos pragmáticos — compartilhados por Alckmin e outros atores institucionais — procuram preservar canais de negociação.

Ainda que se apresentem como estratégias complementares, trata-se, no fundo, de uma decisão central do governo: usar o palanque como principal ferramenta de mobilização política, enquanto delega à diplomacia o papel secundário de remediar danos. Mas essa coreografia, cuidadosamente orquestrada, tem um preço — e ele tende a ser cobrado.

No sistema presidencialista, a palavra do presidente tem peso decisivo. E, no caso brasileiro, é a postura de Lula que prevalece. Isso se revela especialmente grave diante da assimetria de forças entre os dois países. Ao contrário da China que, mesmo com sua musculatura econômica, optou por negociar com os EUA, o Brasil tem um poder de retaliação limitado e depende de canais diplomáticos para minimizar os danos.

O recurso à bravata não é novo em Lula, mas neste episódio assume um nítido componente tático-eleitoral. Ao recorrer a um discurso nacionalista — “ninguém põe as mãos em nossas riquezas” —, o presidente tenta mobilizar sua base e construir uma narrativa de resistência, ainda que arriscada e irresponsável. De imediato pode render dividendos eleitorais, mas tende a se converter em desgaste concreto à medida que os efeitos econômicos do tarifaço — inflação, desindustrialização, desemprego — se tornarem palpáveis. O risco é que, ao fortalecer sua imagem pessoal, Lula comprometa os interesses estruturais do país.

Há ainda uma dimensão ideológica em jogo. Desde o início de seu terceiro mandato, Lula tem adotado uma política externa marcada por certo antiamericanismo. Embora os EUA sejam o segundo maior parceiro comercial do Brasil e o principal destino das exportações industriais brasileiras, o governo evitou priorizar a relação bilateral. Em seis meses de governo Trump, não houve qualquer esforço para estabelecer um canal direto de diálogo — omissão agora cobrada com juros.

Os exemplos de inação diplomática se acumulam. Quando a U.S. Chamber of Commerce — entidade de forte influência política — pediu a presença de uma autoridade brasileira de alto nível em Washington, ficou sem resposta oficial por parte do Executivo brasileiro. Enquanto países como China, Índia, Vietnã e União Europeia se anteciparam e enviaram seus representantes, o Brasil limitou-se a uma carta formal. A única iniciativa concreta partiu do Congresso Nacional, por meio de uma comissão suprapartidária de senadores — o que expõe o vácuo de protagonismo do Executivo.

Enquanto o vice-presidente Alckmin prepara uma viagem ao México para negociar um acordo comercial — num gesto que reforça a vertente diplomática do governo —, o Planalto ainda não apresentou uma agenda robusta para reabrir canais com Washington.

O governo também tem desperdiçado ativos estratégicos que poderiam ser moeda de troca na mesa de negociação. Um exemplo é o potencial brasileiro na área de terras raras — minerais críticos para as cadeias tecnológicas globais. O Brasil possui a segunda maior reserva mundial, embora não detenha a tecnologia de refino. Washington já sinalizou interesse no tema. Mais uma vez, Lula recorreu a um tom populista e nacionalista: “as terras raras são nossas”. A frase remete, retoricamente, ao imaginário da campanha “O petróleo é nosso”, dos anos 1950 — embora em contextos históricos e estratégicos bastante distintos.

Essa nostalgia anti-imperialista, cultivada por parte da esquerda latino-americana, representa uma anacronia perigosa quando aplicada de forma dogmática no mundo globalizado de hoje. Soberania não se exerce por gritos de guerra, mas por inserção estratégica nas cadeias globais de valor e pela diplomacia eficaz.

O país precisa urgentemente reencontrar a coerência diplomática que historicamente marcou sua política externa. Isso significa abandonar o palanque e retomar os fundamentos do Itamaraty: pragmatismo, negociação silenciosa, inserção multilateral. Mais do que dobrar a aposta retórica, é hora de mobilizar todos os ativos diplomáticos do governo — inclusive os que já operam, com discrição, nos bastidores — para construir uma resposta estratégica à altura da crise.

O Brasil sempre se saiu melhor quando apostou na diplomacia. Investir exclusivamente nesse caminho não é sinal de fraqueza — é sinal de maturidade. Persistir na retórica de confronto é empurrar o país para o isolamento e comprometer seus interesses estratégicos. A crise exige estadistas, não agitadores.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 30/7/2025. 

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