Um monumento. Ah, mas era de direita!

Para Monsieur le Président de la République Française, Alain Delon “desempenhou papéis lendários e fez o mundo sonhar”. “Melancólico, popular, secreto, era mais do que uma estrela: um monumento francês.”

A Flor do Lácio é bela, mas, diacho, na língua deles fica ainda mais sonora a homenagem de Emmanuel Macron: “Monsieur Klein ou Rocco, le Guépard ou le Samouraï, Alain Delon a incarné des rôles légendaires, et fait rêver le monde. Mélancolique, populaire, secret, il était plus qu’une star: un monument français”,

Brigitte Bardot, sua contemporânea, uma das maiores estrelas da História do Cinema, disse que Delon “representou o melhor do ‘cinema de prestígio’ francês” e foi “um embaixador da elegância, do talento e da beleza”. “Perco um amigo, um alter ego, um cúmplice.”

Claudia Cardinale, também contemporânea, outras das maiores estrelas da História do Cinema, citou O Leopardo, Il Gattopardo no original, Le Guépard citado por Macron, em que os dois trabalharam juntos: “As pessoas me pedem para colocar em palavras… mas a tristeza é intensa demais. Uno-me à dor de seus filhos, de seus entes queridos, de seus fãs… A bola acabou. Tancredi foi dançar com as estrelas. Para sempre tua, Angélica.”

A Académie des Arts et Techniques du Cinéma lançou uma nota oficial: “Alain Delon não era apenas um ator. Pela variedade de papéis que desempenhou com paixão e intensidade, mas também pela sua personalidade contrastante e pelo seu magnetismo único, Alain Delon tornou-se um ícone eterno da sétima arte. A encarnação do cinema francês internacionalmente.”

Muito, muitíssimo antes de sua morte agora, agosto de 2024, aos 88 anos, no hoje tão distante 1986, o livro The International Dictionary of Films and Filmakers – Actors & Actresses definia Alain Delon:como o mais popular astro masculino do cinema francês, ao lado de Jean-Paul Belmondo: “Sem preparação profissional, ele veio personificar o homem jovem, energético, muitas vezes moralmente corrupto. Com sua aparência atraente, ele estava também predestinado a interpretar ternos amantes e heróis românticos, e para muitos ele era, no início, a personificação do tipo criado na América por James Dean.”

Vários dos maiores diretores de cinema da segunda metade do século XX escolheram Alain Delon para seus filmes – Luchino Visconti, Michelangelo Antonioni, Joseph Losey, Henri Verneuil, Jean-Pierre Melville, René Clément, Louis Malle, Volker Schlöndorff.

Um dos maiores do mundo. Um ator que fez o mundo sonhar. Um ícone eterno. Um monumento francês.

Pois é. Mas, segundo o Libération, na home page do seu site, poucas horas após a notícia da morte, Alain Delon era um “gaullista e amigo de Le Pen: um ícone verdadeiramente de direita”. É verdade que o Libé usou duas vezes a adversativa, o mas porém todavia contudo:  “mas difícil de ser substituído”. E, na linha fina embaixo do título – o olhinho, no jargão jornalístico brasileiro –, afirmava: “O ator, admirador de De Gaulle, mantinha uma grande proximidade com Jean-Marie Le Pen, reencontrado durante a guerra na Indochina. Mas ele jamais apoiou o frentista ou sua filha, preferindo Giscard ou Sarkozy”.

Mas não foi só o Libé. Nas redes sociais, entre diversos, diversos, diversos posts lamentando a morte do ator, elogiando seus filmes, sua beleza, havia os que lembravam que, diabo, o cara era de direita. Tinha a absurda coragem de admitir, com todas as letras: “Sempre fui um homem de direita”.

Ser de direita, segundo o Libé, segundo muita gente boa nas redes sociais, é algo mais importante do que ser um dos maiores atores do cinema de todos os tempos.

Ser de direita é como ser leproso nos tempos de Ben-Hur. É criminoso. Mesmo que não tenha sido jamais um apoiador do partido de extrema direita, radical, xenófobo, racista, de Jean-Marie Le Pen e depois de sua filha Marine Le Pen. Não foi um apoiador. Preferia a direita tradicional, não radical, de Giscard d’Estaing, de Nicolas Sarkozy – mas, diabo, mantinha uma grande proximidade com o cara, então era um leproso, um criminoso, um filho da puta.

Vivemos em um estranhos tempos em que na democracia ninguém pode ser de direita.

É. O mundo está chato demais.

E, convenhamos todos: sem Alain Delon, está bem mais feio.

18 e 19/8/2024

 

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