Os preços dos remédios sempre foram um tormento, especialmente para os brasileiros de menor poder aquisitivo. Durante grande parte de nossa história recente, doenças de tratamento contínuo como hipertensão, diabetes e colesterol alto ceifavam vidas porque o custo das medicações eram proibitivos. Há 25 anos o Brasil quebrou esse paradigma, quando Fernando Henrique Cardoso e seu ministro da Saúde, José Serra, entenderam a urgência da democratização do acesso aos medicamentos e regulamentaram os genéricos.
Duas décadas e meia depois é amplamente consensual o sucesso da medida, comemorada em 20 de maio. Os genéricos tiveram impactos positivos na qualidade e expectativa de vida de boa parte dos brasileiros. Ao mesmo tempo possibilitaram ao Estado bancar o programa Farmácia Popular, fundamental, sobretudo, para as camadas mais vulneráveis e dependentes do Sistema Único de Saúde.
Sem exagero, os genéricos também são um exemplo de parceria público privada bem sucedida, onde todos saíram ganhando. A população, por passar a ter o tratamento medicamentoso mais adequado, com preços compatíveis, e a indústria farmacêutica, porque teve seu mercado aquecido. E o Estado pôde cumprir seu papel na universalização do atendimento da população. Nos 25 anos de existência dessa política pública, o Brasil consolidou um sistema de produção e de distribuição dos medicamentos genéricos a partir do parque industrial farmacêutico, da rede de farmácias do país e da capilaridade do SUS.
Esse exemplo de sucesso se traduz em números. Medicamentos genéricos representam 35,7% dos remédios comercializados no país, ofertando um amplo leque ao consumidor, uma vez que são 4.341 produtos registrados na Anvisa e mais 299 em avaliação. Dos 20 mais prescritos no país, 15 podem ser encontrados na versão genérico e 90% das doenças conhecidas também podem ser tratadas por esse tipo de remédio.
O crescimento de seu uso vem se dando de forma expressiva. Basta citar que nos últimos seis anos as vendas cresceram cerca de 75%. Eles representam quase 80% dos medicamentos usados para colesterol, cerca de 74% para hipertensão e 72% para ansiedade, segundo dados do ProGenéricos.
Para que isso acontecesse, o então ministro da Saúde José Serra teve de enfrentar um grande desafio. Esses remédios deveriam ter a mesma eficácia e segurança dos produtos originais, e, ao mesmo tempo, ter um preço no mínimo 35% mais barato, como estabeleceu a Lei 9.787 de 1999 que os regulamentou.
Serra não inventou a roda. Bebeu na experiência dos Estados Unidos, país no qual o conceito foi concebido nos anos 60. Tampouco se orientou por ampliar a presença do Estado no parque produtivo farmacêutico. Ao contrário, consolidou parcerias com a iniciativa privada. Os dados comprovam o acerto dessa estratégia. A concorrência entre as indústrias farmacêuticas puxou os preços para baixo, bem além do que os 35% exigidos pela Lei. Hoje, em média, os genéricos são 60% mais baratos do que os produtos originais. Esse foi o fator fundamental para a expansão do mercado.
Havia, contudo, outra batalha a ser vencida: conquistar a confiança do consumidor quanto à segurança e à eficácia. Ali no início dos anos 2000 havia muita desinformação e preconceito, tanto do consumidor como de profissionais da saúde. Alardeava-se a idéia de que eles não produziam o mesmo efeito dos remédios originais no combate às doenças. Havia ainda o temor infundado de efeitos colaterais.
Com a liderança de Serra, a desconfiança foi vencida. De um lado, a indústria nacional investiu pesado em profissionais qualificados, em equipamentos e em pesquisas para ofertar ao consumidor um produto seguro, eficaz e a preço inferior. Por outro, o Estado cumpriu a contento seu papel regulador por meio da atuação da Anvisa, que só aprovava a liberação de um produto após serem submetidos a sucessivos testes.
Diga-se de passagem que Serra é o economista que topou – com grande espírito público e desprendimento – ser ministro da Saúde. Ele reuniu uma grande equipe e também foi o responsável pelo fortalecimento do SUS, pela quebra de patentes de medicamentos e pelo premiado programa de combate a AIDS, considerado o melhor do planeta.
Hoje, 86% dos consumidores têm alta confiança nos genéricos. Sem dúvida, contribuiu muito para essa ampla aceitação a adoção em larga escala desse tipo de medicamento pelo sistema de saúde pública brasileiro, um dos maiores do mundo.
Os genéricos tornaram-se irreversíveis.
No Brasil enveredou por um caminho sem volta. Por essa estrada, os brasileiros puderam viver mais tempo e ter uma vida com melhor qualidade, resultado de uma política de Estado, com sustentabilidade e credibilidade. Essas são a chave do sucesso dos genéricos.
Em seu artigo “A política como vocação”, Max Weber destaca três características essenciais para o líder político ideal: a paixão, o sentimento de responsabilidade e o de percepção. Com os genéricos, Serra e Fernando Henrique são um exemplo disso.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 15/5/2024.