Agora que a trolha está bem perto, os golpistas estão recorrendo à semântica para tentar escapar da dita cuja. Andam dizendo que golpe é tanque na rua, porque sem tanque na rua não tem golpe. E como não teve tanque na rua, não teve golpe.
E se não teve golpe, o que é que o Xandão, a nova PGR e a Polícia Federal estão querendo? — perguntam os aflitos.
A perguntinha eu deixo para responder no fim. O que eu vou responder agora no começo é sobre a trolha.
A trolha é um objeto longo de formato cilíndrico e grosso calibre que costuma empinar e alçar vôo certeiro em direção aos traseiros de gente que, sabe-se lá por quê, resolveu provocar a… trolha.
E a trolha não perdoa. Sua primeira característica fundamental é que ela, uma vez erguida, não quer saber de argumento. Se foi com tanque ou sem tanque, se foi com um cabo e um jipinho, ou se foi só num pedaço de papel mal escrito, pouco importa. A trolha não quer nem saber. Uma vez em pé, seu destino é inescapável, ineludível, indefensável.
Pode ser o sonho de muita gente, mas neste caso específico a trolha é um pesadelo de bom tamanho. Contra ela não adiantam os malabarismos dos advogados, as lorotas ensaiadas com seus clientes, as explicações de que aquela reunião não foi pra dar golpe, mas só para discutir e analisar a questão.
Qual questão? O golpe, ora. Se iam dar ou não. Se ia ser com tanque ou sem tanque, com tropa ou sem tropa, essas coisas. Aí resolveram que ia ser com uma minuta na qual constava o passo a passo indispensável a uma boa condução da coisa toda.
A tal minuta foi escrita, um idiota imprimiu-a, guardou-a numa gaveta e ao fim e ao cabo ela foi parar no colo da Polícia Federal. Quem fez? Ninguém sabe, ninguém viu. Até aquele que a levou à mesa de reuniões não sabe de onde raios apareceu.
Ao que parece, não foi só uma, foram duas minutas. Uma que apareceu do nada na reunião golpista de 5 de julho de 2022. Foi escrita, depois reescrita e, por fim, editada com cortes pelo manda-chuvas do golpe. Na primeira versão, prendia uma pá de gente e na versão final só o Xandão ia para o xilindró.
O modus operandi descrito nessa minuta era a decretação de estado de sítio e de uma GLO circunscrita ao andar do TSE em Brasília onde estão instalados os temíveis computadores que somam os votos de todas as urnas país afora.
A outra, encontrada na casa de ex-ministro da Justiça, não continha nem as prisões nem o estado de sítio. Apenas a GLO, que vinha ser a jabuticaba das jabuticabas tupiniquins.
Como se sabe, o instrumento de Garantia da Lei e da Ordem foi criado para permitir a intervenção das Forças Armadas em região do território nacional abalada por grave perturbação da ordem pública. Mas nessa edição da GLO, seu alvo seriam as salas super refrigeradas dos mega computadores do TSE — erigidas a território inimigo, sob o comando do Xandão.
É claro que o troço era tão estapafúrdio que foi deixado de lado, mas em vez de serem picadas num triturador de papéis — como se faz nas grandes organizações para idéias descabidas —, as minutas foram parar em lugares jamais imaginados por Hércule Poirot, o célebre detetive de Agatha Christie — que, aliás, o detestava por sua presunção e saídas à francesa.
A daquela reunião de julho foi parar numa pasta com a etiqueta “Diário do Golpe” ou coisa assim, diligentemente organizada pelo ministro-chefe do GSI, general reformado Augusto Heleno. Poirot daria risadas, mas é sério. Tem muita coisa ali dentro, e a PF guarda o que resta de seu conteúdo a sete chaves.
A outra foi pescada pela PF na casa do ex-ministro da Justiça após os eventos de 8 de janeiro de 2023. Note-se que Anderson Torres, o ex-ministro da Justiça, não estava presente no bolicho de 5 de julho, pois se encontrava em compromisso no exterior. No entanto, padece do mesmo afã do então comandante do GSI por “recuerdos” da trama golpista.
Poirot diria que o assassino sempre volta ao local do crime. No caso, é o contrário: o crime é que volta ao local do assassino…
Isto posto, vou responder à perguntinha do começo destas mal traçadas.
O que é que o Xandão, a nova PGR e a Polícia Federal querem, se não teve golpe — e este é um fato de fato inquestionável. Não teve mesmo, para nossa satisfação e maior alegria.
Bem, respondendo, eu diria que as três partes mencionadas têm por profissão e metiê justamente SOLTAR A TROLHA!
E salve-se quem puder!
Nelson Merlin é jornalista aposentado, fã de Agatha Christie e admirador do implacável Hércule Poirot, sem esquecer o inesquecível comissaire Maigret, de Georges Simenon, sempre atento à psicologia do malfeitor. E por aí vai…
14/3/2024