A grita da esquerda em geral e de petistas em particular à postura do ministro Cristiano Zanin nas primeiras votações no Supremo – foi contra descriminalizar o uso pessoal da maconha e a equiparar homotransfobia a injúria racial -, não é apenas inócua, mas descabida, visto que as posições dele não deveriam causar qualquer surpresa. Inebriados com a indicação que o presidente Lula fez de seu advogado, progressistas nem deram bola para o pensamento retrógrado de Zanin, que ao ser sabatinado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado não escondeu seu perfil tradicionalista, anti-drogas e anti-aborto. Agora, com o leite derramado, nem o choro salva.
Na sabatina do dia 21 de junho, coube à direita questionar Zanin sobre a pauta de costumes, tão cara a esse grupamento. O advogado de Lula se colocou como católico e defensor da vida; disse que a legislação já contemplava as exceções cabíveis ao aborto e foi taxativo quanto à descriminalização das drogas. “Minha visão, efetivamente, é a de que a droga é um mal que precisa ser combatido”, acrescentando elogios ao Senado por “aprimorar a legislação para promover o combate às drogas”. PT, PSOL e companhia ouviram sem dar um pio.
Ali, as falas foram tidas pelos governistas como agrado a evangélicos e, portanto, desimportantes ou sem lastro. Mais: ninguém se levantaria contra a indicação de Lula, cuja inspiração foi recompensar Zanin pelos serviços prestados. A insistência do causídico em tecnicismos – muitos deles questionáveis – e a parcialidade do ex-juiz Sérgio Moro foram decisivas para o STF transferir o foro das ações de Lula para Brasília e com isso anular investigações, processos e sentenças.
Como se viu, o prêmio pessoal de Lula a Zanin pode custar caro às pautas históricas do PT e de outras correntes que se alinham à esquerda. E ao país. Se nos primeiros 20 dias pelo menos quatro de seus votos foram tidos como retrocesso por quem o apoiou, as perspectivas futuras não são animadoras. Pelas regras atuais, o ex-criminalista de 47 anos tem assento na Corte até 2050. Ou seja, Lula indicou um conservador por excelência que terá assento na mais alta Corte do país por 27 anos.
Cabe lembrar o peso que isso tem. Em outubro de 2020, o ex-presidente Donald Trump correu para indicar a conservadora Amy Coney Barrett para o lugar de Ruth Bader Ginsburg. Meses depois, os Estados Unidos viram a reversão de direitos assegurados há anos, entre eles o aborto e as políticas afirmativas. Ainda que o exemplo esteja a anos-luz do Brasil e que Zanin possa ser menos retrógrado do que pareceu nas sessões de estreia, Lula colocou o país em risco ao priorizar sua dívida pessoal.
A oposição comemorou. “Zanin é católico praticante e conservador”, elogiou o deputado bolsonarista Sóstenes Cavalcante (PL-RJ). “Parabéns, deu votos acertados pela vida, pelos valores…”, emendou o bolsonarista radical senador Magno Malta (PL-ES). Nas redes sociais, a perplexidade da esquerda se contrapunha à festa da direita.
Além de negar a equiparação das ofensas homotransfóbicas à injúria racial e a descriminalização da maconha para uso pessoal, Zanin criou outros desconfortos entre os progressistas. Na sexta-feira, votou contra os índios guaranis de Mato Grosso ao lado dos bolsonaristas Nunes Marques e André Mendonça. Seu voto contrário ao reconhecimento da insignificância para sustar a condenação de dois réus pobres por furto com valores inferiores a R$ 100 foi considerado cruel até por pares. E sua adesão automática à suspensão da proibição para que juízes atuem em processos representados por escritórios de parentes, no mínimo imprópria ou abusiva, feita em causa própria, vista a atuação da banca de sua mulher, Valeska Zanin Martins.
Como manda o figurino, Zanin se afastou da advocacia logo após sua indicação ao Supremo. Mas seu ex-escritório, sob o comando da mulher Valeska, tem 14 processos em curso no STF, seis como representante do presidente Lula e dois do PT. Entre eles duas ações contra a imprensa: Lula x Merval Pereira, colunista de O Globo, e Lula x Fantástico (TV Globo). Em ambas, o petista perdeu em todas as instâncias inferiores.
Zanin não é o único a ter mulher ou parentes em escritórios de advocacia e nem foi voto decisivo para a matéria. Outros seis dos 11 ministros do Supremo se enquadram no mesmo caso e votaram a favor do privilégio. Mas o erro da maioria não justifica um erro adicional.
Resta claro que um bom advogado nem sempre será um bom juiz e que os critérios pessoais – e aí Lula não tem escapatória – não são bons conselheiros para questões de Estado. A toga conservadora que Lula enviou para o STF manterá o PT, a esquerda e os demais progressistas não alinhados ao governo sempre em estado de alerta. Enquanto a direita lucra e se diverte.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 27/8/2023.
Foto Valter Campanato/Agência Brasil.
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