O balcão da Esplanada

O acertadíssimo reforço do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à ministra da Saúde Nísia Andrade – “Tem ministros que não são trocáveis” – pode ter efeito contrário ao pretendido. Se por um lado Lula deixou clara sua indisposição de ceder à pressão do Centrão nas áreas sociais, por outro escancarou os demais setores do governo à cobiça dos políticos do União Brasil, Republicanos, PP e até do PL do ex Jair Bolsonaro. Resultado: o loteamento dos “trocáveis” está acelerado.

Neste terceiro mandato, Lula concebeu um governo com incríveis 37 ministérios, 7 a mais do que nos dois anteriores. São tantos que possivelmente nem ele nem os integrantes do primeiro escalão saberiam citar de cor as pastas e os nomes dos respectivos ocupantes. Ainda assim, o presidente não conseguiu alocar dentro do governo as forças que o apoiam, até porque as tratativas têm sido feitas no varejo, votação a votação. Após a aprovação da reforma tributária e do Carf pela Câmara, a gritaria aumentou.

Os reivindicantes sempre souberam que o Ministério da Saúde era inegociável. Jogaram pesado em cima de Nísia para garantir liberdade absoluta no comando da Funasa (Fundação Nacional da Saúde), local onde o dinheiro corre. Topam Esporte, Portos e Aeroportos, Desenvolvimento Econômico, visto que, pela mesma lógica, Lula não vai entregar o Desenvolvimento Social, casa do Bolsa Família, menina dos olhos do presidente. Mas pode ser Ciência e Tecnologia e até Pesca. O que importa ao grupo é ocupar espaço.

Os desejos do Centrão incluem ainda estatais de peso como a Caixa Econômica Federal e autarquias poderosas como o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), com orçamento de R$ 18,4 bilhões. Por lá, até o PL de Bolsonaro já tomou assento com o aliado Fábio Pessoa da Silva Nunes na Diretoria de Infraestrutura Rodoviária, uma das mais cobiçadas do órgão.

Assim como liberar recursos de emendas parlamentares, atrair aliados para participar do governo nada tem de ilegítimo. O problema é o quem e o para quê.

A premissa vale para a indicação original e para eventuais substituições. A deputada aliada Daniela Carneiro (União-RJ) deixou o Ministério do Turismo para Celso Sabino (União-PA), amigo do presidente da Câmara Arthur Lira e próximo do ex Bolsonaro. Nem Daniela nem Sabino entendem bulhufas da área. As cotações de André Fufuca (PP-MA) e Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) também estão em alta. Devem assumir ministérios e o que menos importa é se conhecem ou não os setores para os quais serão indicados.

Tal acomodação escancara outra faceta cruel. Há ministros introcáveis, essenciais, e ministérios que de nada servem, ou melhor, servem apenas para atender aos encaixes necessários ao presidencialismo de coalizão à brasileira.

Por aqui, a coalizão não se dá por ideologia ou a partir de pontos temáticos, mas da possibilidade de ter assento na Esplanada e comandar parte do dinheiro público. A recente aprovação da reforma tributária pela Câmara é um exemplo clássico. Mesmo sendo considerada essencial para a maioria, elag custou caro ao governo. O mesmo se fez com o Carf e o arcabouço fiscal, cujo preço para reapreciação no segundo semestre deve bater nas alturas.

Lula não inventou esse modelo, resultado da indecente multiplicação de partidos desde a redemocratização. Estimuladas por financiamento público e leis frouxas, algumas dessas siglas se penduraram no balcão dos governos da vez. Com preços estratosféricos e crescentes.

Em 1995, Fernando Henrique Cardoso compôs com o Parlamento em cima de 20 ministérios, número mantido em seu segundo mandato. De acordo com o Atlas do Estado Brasileiro, publicado pelo Ipea, o PSDB, partido de FHC, respondia por apenas 30% do governo, o PFL com 15%, PMDB e PTB com 10%, sendo os demais cargos ocupados por especialistas sem vínculos partidários. Neófita e inábil na relação com o Congresso, Dilma Rousseff não conseguiu agradar – mesmo dispondo de 32 ministérios.

Jair Bolsonaro não quis saber de dividir a governança, preferindo comprar a base com os bilhões do infame orçamento secreto. Em seus dois primeiros mandatos, Lula fez a partilha dos seus 30 ministérios entre o PT e os partidos coligados, com apenas dois técnicos não filiados a qualquer agremiação. Hoje, mesmo com 37, ainda não chegou perto do equilíbrio.

Como apenas alguns ministros não são trocáveis, os demais – de segunda linha, portanto de necessidade no mínimo duvidosa – estão na mira da barganha incentivada pelo próprio presidente.

Perpetuar vícios dessa natureza pode até dar conforto ao governante, mas definitivamente não faz nada bem ao país.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 16/7/2023. 

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