Nas asas da Ponte Aérea

Veio no noticiário destes dias. O Aeroporto Santos Dumont, no centro do Rio, voltará a servir apenas à ponte aérea Rio São Paulo, como em sua origem; com uma exceção, Brasília. Mas nunca será como antes…

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Tia Amélia resolveu que a sobrinha Ana Clara ia viajar de avião. Achava que uma moça tão estudiosa precisava voar, nem que fosse uma única vez. “Para constar no currículo”, explicava. É verdade que naquela época, começo dos anos 60, muita gente se assustava com a ideia de embarcar em um avião; achava que voar era para passarinho. Dona Antonia, mãe da moça, estava nesse bloco.

Levantou um problema: “Ela não tem roupa para essa história de avião.” A tia rebate. “Levo no Mappin e compramos o que precisa.” Outra questão. “Ela é di menor” – não poderia viajar sozinha. “Você é a mãe, vai junto, tudo resolvido” – contrapôs Amélia. A mãe se benze. “Cruz credo!”. Por fim, uma autorização do Juizado de Menores resolveu a questão.

O destino estava escolhido. A Cidade Maravilhosa – o Rio de Janeiro. Amélia tratou de saber qual empresa aérea oferecia mais vantagens e tinha o avião mais bonito. No entanto… as três companhias em operação haviam criado um pool, a Ponte Aérea. Era chegar no aeroporto de Congonhas e embarcar pelo vôo que estivesse de saída. O preço era o mesmo.

Quanto ao serviço de bordo, o esmero era a norma. Serviam-se almoço, jantar ou, em outras horas, pratos leves caprichados. Para os apreciadores, não faltava um bom scotch. Também podia-se fumar à vontade… menos charuto. Isto tudo, na hora e quinze minutos que durava o vôo.

Em certa hora do almoço, uma senhora usando tailleur e uma moça em um vestido elegante compraram a passagem e embarcaram. Tiveram sorte. O equipamento, como os aeronautas chamam os aviões, era um turbo-hélice Electra II da Varig, com seus portentosos quatro motores, corredor espaçoso, um “sofá” no fundo, formado por poltronas interligadas. Amélia preferiu uma janela para a sobrinha.

Instalam-se. Uma comissária de bordo nota que a mocinha bonita está um pouco tensa. Na hora de conferir o uso do cinto de segurança, puxa conversa. Conta que faz esse trabalho há 12 anos, e voar é uma delícia. Ana Clara sorri, feliz. Logo o avião corre para a decolagem, ergue o bico (a proa), ganha altura, por fim estabiliza e segue viagem. O céu estava limpo, enfeitado por poucas nuvens.

Ana Clara e a tia gostaram do almoço. Bem-disposta, Amélia puxou conversa com a passageira da poltrona ao lado. A senhora falava do Rio com propriedade, havia nascido lá. Ouviu atentamente os motivos da viagem de tia e sobrinha. Em certo momento pergunta o que farão na cidade. Tonica diz que seguirão para a estação rodoviária e voltarão a São Paulo.

— De jeito nenhum! – reage Clotilde, eis seu nome.

No aeroporto, o motorista uniformizado espera. As três viajantes embarcam, madame dá o destino. O Cristo Redentor. De lá para o Pão de Açúcar com o bondinho. Clotilde está feliz: “Fazia muito, muito tempo que eu não vinha para estes lados”. Suas convidadas, deslumbradas.

No meio da tarde, o carro estaciona à porta da centenária Confeitaria Colombo, com sua deslumbrante decoração art nouveau. Mal haviam pedido o tradicional chá completo, Clotilde abre um sorriso. “Ora, meu sobrinho está chegando.” Um jovem muito bem apessoado. Vinha acompanhado de um amigo recém-chegado de Minas Gerais.

Então, aconteceu… Théo, o sobrnho, não tirou os olhos de Ana Clara. Ela, pudica, disfarçou – mas era evidente que correspondia ao interesse. Passado pouco tempo, Théo convida Ana Clara para um passeio. O amigo vindo de Minas fica. As duas tias olham-se assustadas.

— Estão apaixonados – diz Clotilde. – Uma situação complicada. Como vão namorar, ele morando aqui, a moça em São Paulo?

O mineiro resolve a questão:

— Pela Ponte Aérea, uai.

Este conto foi originalmente publicado no blog Vivendo e Escrevendo, em 27/7/2023.

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