O Brasil na Era do Talento

Sempre que aborda um tema, o fundador e presidente do Fórum Econômico Mundial, Klaus Schwab, alarga nossos horizontes. Em debate com Luciano Huck, publicado no jornal O Globo, ele descortinou qual o lugar que deveria ser ocupado pelo Brasil em um mundo de transformações sistêmicas, complexas e de movimentações extremamente rápidas. Otimista aos 85 anos de idade, Schwab enxerga uma grande oportunidade para o Brasil ter um papel relevante em um mundo multifacetado. Mas há uma condicionante: o Brasil tem de entrar no que ele define como a “Era do Talento”.

Segundo ele, diferentemente das revoluções passadas – nas quais o capital foi o fator decisivo –, na Quarta Revolução Industrial esse fator é o talento. Se quiser ingressar nessa nova era, o Brasil deveria investir pesadamente em talentos, pois os fatores fundamentais são “o empreendedorismo e a inovação”. As nações que desenvolverem a educação digital e a infraestrutura digital terão protagonismo. É nesse terreno que ele aconselha o Brasil a investir.

É nele que estamos profundamente atrasados, com os olhos fixos no retrovisor, querendo recuperar o terreno perdido nas revoluções industriais passadas, em vez de ingressar na nova era. Nosso projeto nacional, se é que ele existe, está balizado para uma reindustrialização dos tempos do fordismo, da linha de produção, dos mercados fechados, de pouca ou quase nenhuma inovação tecnológica. Não sairemos na frente se não formos capazes de produzir talentos em massa.

A primazia da capacidade de inovação é a chave para o grande salto. A noção de talento vai bem mais além de adquirir conhecimento. Como define o economista Marcos Troijo, “profissionais talentosos são aqueles que ocupam posições estratégicas na conexão com a tecnologia”. A união entre tecnologia e talento produz o diferencial competitivo perseguido por empresas e nações. Agilidade, resiliência, criatividade são competências requeridas pela era que Klaus Schwab define como era do “talentismo”, para se diferenciar da era do capitalismo.

Em um mundo onde as tecnologias da Quarta Revolução Industrial, como a Inteligência Artificial e a computação quântica, tem impacto sistêmico e as nações se veem diante do desafio de delimitar barreiras éticas para que seu uso se dê em benefício das sociedades, o Brasil deve encarar essas novas tecnologias como uma oportunidade. Elas possibilitam o país dar um salto de qualidade, desde que invista pesadamente em educação e infraestrutura digital. Países que no passado eram mais atrasadas do que nós e hoje situam-se em patamares superiores ao nosso perseguiram esse caminho.

Há outra questão fundamental subjacente no diálogo entre Huck e o presidente do Fórum Econômico Mundial: para se firmar como uma potência intermediária em mundo multipolar, como tende a ser no futuro não muito distante, o Brasil precisa aderir ao fato de que a biodiversidade e a descarbonização do planeta são partes fundamentais da agenda global.

Nosso enorme potencial aparece de maneira cristalina nas seguintes palavras de Klaus Schwab: “Haverá uma demanda global por soluções baseadas na natureza. E, é claro, quando olho para o mundo, vejo que estamos nos movendo para um sistema multifacetado e de múltiplas potências. E a maior potência natural do planeta é o Brasil. E isso oferece uma grande oportunidade para seu futuro”. Na sua visão, está em gestação um mundo multipolar, no lugar da bipolaridade Estados Unidos-China que alimenta a nova guerra fria.

Nesse novo reordenamento, enxerga potências intermediárias “como o Brasil, Indonésia, Turquia e Oriente Médio, de alguma forma se tornam muito influentes no cenário internacional porque tem algo especial a oferecer – como a comida do Brasil”.

Nossos grandes ativos são economia verde, transição da matriz energética, sustentabilidade e produção de alimentos. Nosso potencial vai bem mais além do que a produção de alimentos. O Brasil pode ser um líder na indústria verde emergente, usufruindo parte da riqueza gerada por esta indústria, em escala planetária. A reindustrialização do país deve ser pensada com esse objetivo estratégico.

Nosso grande calcanhar de Aquiles é a ausência de um sistema educacional voltado para responder às necessidades da Quarta Revolução Industrial. Nesse terreno, andamos para trás, quando não retrocedemos. Basta olhar para a Reforma do Ensino Médio, pensada para colocar o Brasil em sintonia com as tendências mundiais da educação do século XXI mas suspensa por injunções políticas e pressões corporativas.

Mesmo o nosso sistema de ensino superior, elogiado por Klaus Schwab, deixa muito a desejar, quando comparado com os países desenvolvidos. Segundo a avaliação de 2023 do Center for World University Rankings, apenas 54 universidades brasileiras estão entre as duas mil melhores do mundo. Com um agravante: 29 dessas universidades perderam posições no ranking mundial e apenas duas melhoraram no ranking. Nosso sistema universitário foi puxado para baixo. Em todos os países desenvolvidos, as universidades desempenham papel estratégico para a inovação e geração de talentos. Estamos longe disso.

Temos ainda outra grande dificuldade. Falta ao país uma elite econômica, política e intelectual com o espírito dos tempos, em condições de liderar um Projeto de Nação voltado para o nosso ingresso na “Era do Talento”.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 24/5/2023. 

 

 

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