Bom Dia!

Depois de muita chuva, finalmente um lindo dia de sol – e dia de escrever para a coluna. Mas sobre o quê?

Cansei de escrever sobre os malucos que não param de pagar mico na frente dos quartéis.

Cansei de escrever sobre o pior presidente que o Brasil já teve, que destruiu o país e que continua destruindo com cortes de verbas destinadas à Educação, só pelo prazer de ver o circo pegar fogo antes de abandonar definitivamente o picadeiro.

Cansei de ver as imagens de choro do Bozo em cerimônia militar quando caiu a ficha de que não vai mais ser chefe desses “ingratos” que quase o expulsaram do quartel só porque ele resolveu incendiar a caserna em protesto contra os baixos salários.

Cansei de ver sua cara depressiva porque se deu conta de que é agora um desempregado sem nenhuma qualificação para emprego algum e que vai ter de viver de favores do “pegador” da sua mulher.

Cansei também de percorrer os cinco quilômetros que faço na pista de caminhada aqui perto. Mas foi uma canseira física, porque na verdade me divirto com os useiros e vezeiros do bosquínho, que andam sós ou em pares.

Fico parecendo a Jacqueline Brasil do Jornal Hoje. Só que no lugar de boa tarde, é bom dia, com várias entonações diferentes pra cada “atleta”.

Tem o bom dia tradicional, formal: Bom dia!

Tem o que vem com um sorriso: Bom diaa!

E que vem com entusiasmo: Bommm diiiiiaa!

E ao longo do percurso vou colhendo fragmentos de conversas que ora me divertem ora me intrigam. Às vezes até diminuo o passo pra tentar escutar o resto.

-…14 anos, mas a coluna dela tá bem ruim…(dela quem? Da cachorrinha que ele levava pra passear? De alguma criança parente sua? Da menina que mora ao lado da sua casa?)

-…ele ficou internado alguns dias e acabou morrendo de…(morreu de quê? De enfarto? De pneumonia? De septicemia?)

-…primeiro eu coloco o alho, a cebola, os outros temperos, daí coloco a…(a linguiça? A carne de vaca? E qual seria? Maminha? Fraldinha? Costela?). A carne de porco? (Pernil ou lombo?).

-…ela (a Pug marronzinha que divide o espaço com a gente) emagreceu bastante porque teve…(teve o quê? Cálculo renal? Diabetes? Infecção intestinal?)

Num certo trecho do percurso passo em frente à casa de um cantante de chuveiro com vozeirão de barítono. De lá vem “tão longe de mim distante, / Onde irá, onde irá teu pensamento?”. Completando a volta começo a escutar já na curva “os sonhos mais lindos, sonhei. / De quimeras mil um castelo ergui…”

Quando gosto da música (gosto dessas aí) dou uma paradinha e aproveito para cumprimentar a pastora alemã que leva um senhorzinho pra passear. Muito simpática a Mia (tive uma gata que se chamava Mia. Pelo lógica, a pastora não deveria se chamar Late?).

Completados os 5 mil metros, me preparo pra abandonar a pista quando do outro lado da calçada o morador da casa florida me chama para justificar por que não tinha ido caminhar: “Hoje resolvi lavar o portão”. Parei uns minutos pra ele me contar o grande feito do dia e em seguida o deixei esfregando os arabescos de ferro com um paninho. Tava com pressa. Queria ir pra casa, tomar um banho, pegar o carro e ir avisar os zumbis da frente do quartel que agora faltam 72 horas para que o novo presidente eleito seja diplomado e que eles já podem voltar pra suas casas e irem providenciando o peru de Natal.

Falando nisso, quem vai ficar sem peru neste Natal será o golpista peruano Pedro Castillo. Vai ter de passar com frango xadrez, ou melhor, no xadrez. E talvez sem frango.

Fica a dica para os cabeçudos que, nem que seja por um momento, ainda possam pensar em burlar a Constituição de uma Democracia. Golpes de esquerda ou de direita só funcionam em lutas de boxe. Certo, manés?

Esta crônica foi originalmente publicada em O Boletim, em 9/12/2022. 

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