Um pouco mais da metade da Venezuela mostrou, nas urnas, que é contra o projeto de socialismo do século XXI de Hugo Chávez. Mas o espaçoso e ambíguo arremedo do clássico tiranete latino-americano mostrou que o estoque de truques da sua cartola ainda não se esgotou. Ele guarda mais coelhos lá dentro.
O primeiro truque já estava estabelecido: embora com um pouco mais da metade dos votos, a oposição não fez a maioria das cadeiras do Legislativo por causa das tortuosas regras do processo eleitoral, que dão mais peso aos distritos dominados pelos chavistas. Com menos votos, o PSUV, partido de Chavez, elege mais deputados do que a coalizão oposicionista, o MUD. Ainda assim,o número de deputados eleitos pela oposição foi suficiente para impedir que o governo conseguisse a maioria qualificada de 2/3, que lhe permitiria aprovar qualquer lei que o governo quisesse aprovar.
O segundo truque está em gestação: como a atual assembléia é dominada pelos chavistas, uma vez que a oposição cometeu a estupidez estratégica de não concorrer nas penúltimas eleições, e como seu mandato vai até janeiro de 2011, ela está ameaçando aprovar uma lei habilitante que dê a Chávez plenos poderes para governar por decreto até o fim de seus dias no governo, que só Deus sabe quando serão.
Essa é a “democracia até demais” (apud Lula) que impera na Venezuela do tenente-coronel Hugo Chávez, e que é, hoje, o fracasso econômico mais retumbante do subcontinente: a economia caiu 3,2% em 2009 e continua em recessão: o desemprego está em cerca de 10%, e a inflação passa dos 30%. O país sofre das sístoles e diástoles de abundância e de escassez ligadas diretamente à oscilação dos preços do petróleo, a única grande riqueza do país. Quando os preços estão em alta, o governo emite pacotes de bondades destinados a diminuir as agruras da população pobre do país e a ajudar os co-irmãos ideológicos latino-americanos, como Cuba, Bolívia, Uruguai e Equador. Quando os preços do petróleo caem, a generosidade encolhe.
As restrições à liberdade de manifestação e à liberdade de imprensa se multiplicam e se desdobram em pequenos e grandes atos de prepotência oficial, que vão desde o fechamento de canais de televisão a atos de perseguição contra jornalistas que insistem em manter a independência.
No projeto chavista de poder não se desenha um desfecho nem um objetivo final. É um projeto de poder pessoal que não tem data para terminar e que se camufla sob a salada ideológica de um vago “socialismo do século XXI” que não tem diretrizes teóricas e que na vida prática se traduz no desdobramento de velhos programas assistencialistas e populistas ao velho estilho do caudilhismo latino-americano.
Poder absoluto e perpétuo – esse é o único e verdadeiro projeto de Hugo Chávez e de seus epígonos latino-americanos. Um projeto que alguns assumem sem disfarces e que outros acalentam em ruidoso silêncio.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat