Está se espalhando numa velocidade espantosa o vídeo de um número de dança de Fred Astaire e Rita Hayworth ao som de um forró.
Fred Astaire e Rita Hayworth dançam “Feira de Mangaio”, com Clara Nunes.
E, diabo, você é capaz de jurar que eles estão de fato dançando o forró “Feira de Mangaio”!
É impressionante, encantador, fascinante. Os movimentos dos dois atores e dançarinos parecem perfeitamente sincronizados com a música dos paraibanos Sivuca e Glorinha Gadelha, gravada pela mineira Clara Nunes no seu álbum Esperança, de 1979 – 37 anos depois que aquelas imagens foram filmadas.
Vi pela primeira vez na segunda-feira deste estranho carnaval sem carnaval; um amigo, o grande jornalista Fernando Portela, me mandou; alguém havia passado para ele por ter visto no Instagram da Mônica Salmaso. A maravilhosa cantora escreveu: “Deliciosa montagem que recebi num grupo de WhatsApp. Me fez bem!”
Assim como Mônica Salmaso, assim como o Portela – e assim como dezenas, centenas de pessoas ao mesmo tempo –, cuidei logo de espalhar a obra de arte para os amigos nos grupos de WhatsApp, tasquei no Facebook.
A delícia fez bem para Mônica Salmaso, para mim, para Mary, para um bando de amigos, para milhares e milhares de brasileiros neste carnaval sem desfile, sem baile, sem cordão, sem bloco.
Que poder tem a arte, meu Deus do céu e também da Terra.
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Há muita arte nessa montagem.
A arte da pessoa que pensou em misturar as imagens da dança de Fred & Rita, e fez a montagem. Minha amiga Heloisa Araujo Moreira, colega do Jornal da Tarde, e depois também Lucia Helena Marques da Silva, em comentário aqui no 50 Anos, me informam que é Nelson Doroso. Segundo a Heloísa, ele é de Ponta Grossa, Paraná – a cidade em que nasceu meu sobrinho José César. (E também a Joice Hasselman, mas vamos em frente, rapidinho.) Vejo agora que vale a pena dar uma olhada no canal dele no YouTube. É extremamente eclético, vai de Nat King Cole cantando “Smile”, de Charlie Chaplin, até Chitãozinho e Xororó, passando por “Good Morning”, de Cantando na Chuva.
A arte dos compositores do forró, dos instrumentistas, de Clara Nunes.
A arte de Fred Astaire, é claro – mas, cacete, que Fred Astaire é o mais absolutamente brilhante bailarino do cinema todo mundo está cansado de saber (e até o Gene Kelly admitiria).
Confesso que, de tudo que há de sensacional, belíssimo nesse clipe, o que mais me deixou boquiaberto foi a arte da dançarina Margarita Carmen Cansino.
Claro, eu sabia que Rita (1918-1987) tinha feito musicais, que tinha inclusive trabalhado ao lado de Fred Astaire. Mas tenho que confessar, e confesso (com uma boa dose de vergonha) que não tinha idéia de que ela tivesse tanto talento assim.
Na verdade, tenho que confessar mais: não conheço muita coisa de Rita Hayworth. Pode parecer estranho, pode ser esquisito, mas nunca fui um grande fã dela. Acho que sou das poucas pessoas no mundo que consideram Gilda (1946) uma porcaria, e que não acham A Dama de Shangai (1947) uma obra de gênio.
Bem, mas isso é o que menos importa.
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Margarita Carmen Cansino nasceu em uma família ligada ao showbusiness. Seu pai, Eduardo Cansino, que emigrou da Espanha para Nova York em 1913, tinha um grupo de bailarinos, The Dancing Cansinos, e desde cedo a garota se incorporou ao grupo. “Sua graça e beleza logo atraíram Hollywood, e depois de um início sem brilho fazendo pequenos papéis de jovem latina em filmes B, ela foi refeita de beleza étnica para a moça glamourosa toda-americana, através de novo tipo de maquiagem, cor de cabelo e um tratamento de eletrólise que ergueu sua linha de cabelo”, escreveu Jeanine Basinger no livro The International Dictionay of Films and Filmakers – Actors & Actresses. ”A cuidadosa exploração de Rita como o número 1 na desejabilidade da Hollywood dos anos 40 deu a ela fama e fortuna, mas não felicidade.”
“A imagem de Hayworth sempre foi sexy e sedutora, mas ela não atuou apenas em um tipo de filme. Foi uma estrela da dança nos musicais escapistas, e ao mesmo tempo interpretava femmes fatales em uma série de filmes noir. Seu primeiro sucesso real como protagonista veio em 1941, e seus filmes daquele ano refletem essas diferenças: Blood and Sand, de Rouben Mamoulian, em que ela fazia a sedutora Doña Sol, e You’ll Never Get Rich, no qual era a parceira de Fred Astaire nos números de dança. Ela fez outro filme com Astaire, You Were Never Lovelier, e muita gente achou que Hayworth, uma dançarina natural com muita estamina e ritmo, era a melhor parceira de Astaire nas telas. Embora ela tivesse que ser dublada, teve grande sucesso nos musicais dos anos 1940.”
Sangue e Areia, em que Rita contracenava com o galã Tyrone Power, fez imenso sucesso, e permaneceu na memória de muita gente. Já You’ll Never Get Rich, no Brasil Ao Compasso do Amor, e You Were Never Lovelier, no Brasil Bonita Como Nunca, aparentemente foram caíndo no esquecimento. Sou um maníaco por filmes de Hollywood dos anos 30 a 50, em especial, e nunca vi os filmes nem tinha ouvido falar neles.
Até agora – porque dias atrás Mônica Salmaso recebeu uma montagem juntando um número musical do filme com a gravação de Clara Nunes de “Feira de Mangaio” – e essa montagem fez e está fazendo bem a um montão de brasileiros nestes tempos tão absolutamente sombrios.
Na verdade, o clipe montado e distribuído agora pega apenas uma parte do número de dança de Fred Astaire e Rita Hayworth; há uma espécie de introdução que ficou de fora da montagem feita com o forró de Sivuca e Glorinha Gadelha. (Vale a pena o registro: em 1942, ano de lançamento do filme, Fred Astaire estava com 43 anos; Rita, com 24.)
A música original, de autoria dos lendários Jerome Kern e Johnny Mercer, se chama “The Shorty George”, e a sequência faz parte do filme Bonita Como Nunca/You Were Never Lovelier, de 1942.
Esta aqui é a montagem da sequência do filme com a gravação de Clara Nunes.
https://www.youtube.com/watch?v=YTgN2oEH3g8
E aqui está o número musical original do filme:
E aqui há um clipe de Clara Nunes cantando “Feira de Mangaio”, com a participação de Sivuca.
16/2/2021, com atualização em 17/2/2021.
O autor chama ss Nelson Doroso. Vc pode encontra-lo.no YT
Assisti quase todos os filmes da Rita. Ao contrário de você, eu adorava os filmes dela. Claro, não tinha conhecimento do seu real trabalho. Achava bonita, os filmes sempre cheios de músicas…Pra menina de 12, 13 anos, isro bastava, Seu texto está formidável! Esclareceu todas as dúvidas. Quando foi a dança, em que filme, o forró foi tocado. Muito bom, sr. Sérgio. É excelente termos na família uma pessoa que não nos deixa na dúvida,nunca, sôbre qualquer filme e músicas.