Bem recebida no Congresso e por empresários do setor, a nomeação do deputado Fábio Faria (PSD-RN) para o recém recriado Ministério das Comunicações alcançou apoio surpreendente para um governo que prometia cortar pastas, enxugar a máquina pública e jamais fazer o jogo do toma-lá-dá-cá. Nessa carochinha coletiva, engrossou-se o faz de conta de que o “gargalo” do governo é a comunicação.
Descrito como afável e cheio de amigos, o novo ministro teria de ser um mago para melhorar a imagem de um governo desgovernado e de um presidente que solta fogo pela boca, usa a mentira como método e inventa crises.
Não há condão capaz de mitigar os danos para quem apoia manifestações golpistas contra o Congresso e o STF e se lixa para a pandemia que já matou mais de 40 mil brasileiros. Que incentiva a desobediência civil, como fez ao ameaçar descumprir decisões judiciais e, mais recentemente, ao exortar as pessoas a invadir hospitais e filmar leitos vazios para provar a nefasta tese de que os dados da Covid-19 estão sendo inflados por governadores e prefeitos. Além de desumano, um caso de polícia.
Teria ainda de derrotar a fúria de Jair Bolsonaro em relação à mídia. O simples agendamento de uma audiência com o vice-presidente de Relações Institucionais da Globo derrubou o ministro da Secretaria-Geral Gustavo Bebbiano, bolsonarista de raiz, que pensou em “receber o inimigo em casa”.
De nada valeria, portanto, o excelente relacionamento que, dizem, Faria tem com os “inimigos” globais. Medido com a mesma régua, não duraria um único dia.
Para além da Globo, a ira do presidente com a imprensa bate nos tradicionais Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo, revista Veja…Todos veículos mancomunados para derrubá-lo. Além dos internacionais New York Times, Washington Post, The Economist, Financial Times, El País, BBC…
Difícil crer que o genro de Sílvio Santos fará a publicidade governamental voltar aos trilhos, acabando com a festa de distribuição de verba para mídias amigas promovida por Fabio Wajngarten, chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom), que, no novo modelo, responderá a Faria.
Isso incluiria respeito a critérios técnicos para distribuir publicidade entre as emissoras de TV – hoje a Globo, com maior audiência, recebe muitíssimo menos do que as aliadas Record e SBT – e a suspensão de anúncios em canais difusores de notícias falsas, fermentados com verbas públicas.
De acordo com as investigações da CPMI das Fakes News, dinheiro público foi parar em aplicativos de promoção pessoal do presidente como o Top Bolsonaro Wallpapers e Brazilian Trump, ou na Bolsonaro TV, veiculada pelo YouTube. Quase 50 sites useiros e vezeiros em notícias falsas receberam publicidade da Secom.
Um vespeiro que ministro algum será autorizado a mexer.
O mesmo acontece com o intocável gabinete do ódio, que manipula as redes sociais, cujo comando é atribuído ao filhote Carlos, vereador do Rio que tem sala do Planalto e pouco frequenta a Câmara da cidade que o elegeu.
O Ministério das Comunicações ressuscita com uma verba generosíssima de R$ 2,3 bilhões. Sob a batuta do PSD de Gilberto Kassab – o gênio da raça que consegue ser secretário licenciado do governador João Doria, um dos maiores desafetos do presidente, e aliado com espaço invejável no governo Bolsonaro – estarão a Anatel, a Telebrás, a EBC, os Correios e o milionário leilão do 5G.
A nomeação criou ciúme entre as siglas do Centrão, até então só contempladas com escalões inferiores, escancarando as portas do franciscanismo bolsonarista. Mesmo frágil, como a cassação de Dilma Rousseff comprovou, é com essa turma e uma boa maquiagem na comunicação que o presidente joga. Acredita assim poder afastar a sombra do impeachment que cresce de tamanho a cada dia.
Bolsonaro desdenhou da imprensa durante a campanha, na qual inaugurou o uso sistêmico das redes. Mas campanha é campanha. Nela a meta é derrotar os adversários. No governo, a tática de guerra se provou ineficaz. Pesquisas apontam que, enquanto as redes se perdem no digladio de torcidas, notícias de TV e portais jornalísticos associados à mídia tradicional ganham credibilidade. Daí a urgência do presidente em tentar construir pontes sobre as explosões que ele próprio detonou.
Estacas fazem paus tortos se empertigarem, jogando por terra um famoso dito popular. Mas nem a melhor comunicação do planeta é capaz de sustentar quem se vangloria da política torta, do raciocínio torto, do governo torto. Eleito pelo voto da esperança de quase 60 milhões, o presidente escolheu se vergar à manipulação de dados, escamoteamento de informações e criação de versões fantasiosas. Não há comunicação, com ou sem Ministério, que conserte isso.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 14/6/2020.