São Paulo, 1986. 18h30.
Há 2,5 milhões de carros nas ruas. Disputam 770 quilômetros de avenidas principais. Brigam com 4 mil semáforos. Desviam dos remanescentes das 3 mil obras que esburacam as ruas todo ano. E dos mil veículos que quebram todo dia. Nos 8 mil ônibus da cidade, há 6,67 passageiros por metro quadrado (média comemorada pela Prefeitura; até ano passado eram 10,86). E 200 mil pessoas se emburacam nas estações do metrô. Na Avenida Paulista…
Na Paulista carros se arrastam à média de 11,34 quilômetros por hora. Ali perto, na Bela Cintra, Ricardo Teixeira está encerrando o expediente. Ricardo é o maestro que rege a sinfonia do trânsito em São Paulo. É o gerente da Central de Operações do Trânsito, o nervo exposto da Companhia de Engenharia de Tráfego, CET. De sua sala envidraçada, ele avalia os imensos painéis do salão de operações, onde os técnicos se revezam por turnos. Os painéis mostram a situação do trânsito a cada momento. Ricardo então se despede, sai do prédio da CET, atravessa a rua… e entra no Lenco, um velho bar da Bela Cintra. Ali espera a situação acalmar, para pegar seu carro e ir para casa.
O trânsito das 18h30 paulistanas é um lento desaguar de pneus e carroçarias que qualquer mínima interferência estanca. Não precisa ser o caminhão tombado na Marginal. Um filme bom no Belas Artes basta. Os primeiros dias de 9 e ½ Semanas de Amor congestionaram a Consolação, a Paulista e a Rebouças. Às vezes alguém rouba uma tampa de bueiro, na pista central da 23 de Maio. É preciso sinalizar. Só nisso, são dois quilômetros de congestionamento.
Há pouco tempo, o gênio criativo da publicidade colocou modelos em roupas íntimas em frente a um outdoor, na Marginal Tietê. O congestionamento começou ali, perto da ponte da Casa Verde. E chegou à Via Dutra. Por pouco não sai da cidade.
Não é à toa que na megalópole de 9,7 milhões de habitantes (hoje, 12,25 milhões), donos de 3,5 milhões de veículos, são gastos US$ 1,6 bilhões em combustíveis por ano.
O transe da volta enche as ruas durante três horas. A largada dá-se pelas 16h30; às 19h30 está no fim. Os mais precavidos (ou os que podem sê-lo) só encaram a barbárie depois das 20 horas. Como Rose Saldiva, a arguta publicitária da Saldiva & Associados. “Correr para casa não é metropolitano” – ela pondera. Em Nova York, Paris, não é assim. Em Tóquio! A saída do trabalho, continua Rose, é uma boa hora para aproveitar a cidade. Mas em São Paulo está tão difícil… A crise, a violência, as distâncias cada vez maiores… E este detalhe definitivo: “No fundo, nós todos temos uma alma caipira”.
Alguns têm também um grande senso de oportunidade. E uma maleta cheia de ferramentas. Ficam ali pelo fim do Minhocão, começo da ligação Leste-Oeste. Os carros enguiçam. E eles os encontram. Juvêncio Gonçalves Petra, um desses mecânicos, tem prática. “No frio o carro não esquenta. Força a bomba de gasolina e ela pifa.” Por quantias nem sempre módicas, conseguem uma nova e a instalam.
Este texto foi publicado no Jornal da Tarde, em 1986.