Do ministro da Educação exige-se capacidade e liderança para conduzir um amplo consenso nacional com vistas a levar o sistema educacional a um novo patamar, condição sem a qual o Brasil não alcançará o crescimento sustentado. Espera-se, sobretudo, que ele coloque foco na aprendizagem do aluno, o grande calcanhar de Aquiles da educação brasileira.
Em pouco mais de um mês à frente da pasta, porém, medidas do ministro Ricardo Vélez Rodrigues têm gerado preocupação e questionamentos. Recapitulemos alguns episódios.
Escolhido para diretor de avaliação básica do estratégico Instituto Nacional de Educação e Pesquisas – Inep, responsável pelo Enem – o economista Murilo Rezende Ferreira foi demitido do cargo 24 horas após sua nomeação.
De perfil ultra retrógrado, foi tirado do cargo devido à ação de internautas que apontaram plágio em seu artigo “A Escola de Frankfurt: satanismo feiúra e revolução”, cujas idéias teriam sido copiadas do artigo “The New Dark Age: The Frankfurt School and Political Correctness”, texto de 1992 de Michael Minnicino. Ferreira deixou de ser o coordenador do Enem, mas manteve cargo no Ministério, como assessor da Secretaria de Educação Superior (SESu).
Um dia depois da posse do ministro, o MEC divulgou uma retificação do edital para os livros didáticos que serão entregues em 2020. Ela dispensava a obrigatoriedade de referências bibliográficas e também o compromisso com a agenda da não violência contra a mulher. Como repercutiu muito mal, teve de recuar, atribuindo incorretamente a responsabilidade ao antecessor.
Na semana passada o ministro teve de dar explicações públicas em consequência de sua desastrada entrevista à Veja. Suas palavras na revista causaram indignação pelas ofensas aos brasileiros e por revelar uma visão elitista do papel das universidades. Teve ainda de se desculpar com a mãe de Cazuza por ter atribuído ao compositor já falecido uma frase pejorativa que não era de sua autoria.
De concreto até agora houve apenas a criação da Subsecretária de Iniciativas Cívicas, para a adoção do modelo de escolas cívico-militares, medida criticada por educadores e gestores, mas que cai bem aos olhos da população. Enquanto isso, faltam sinais sobre os rumos que a nova gestão pretende imprimir na Educação. A indefinição gera insegurança quanto à continuidade de ações do governo anterior, como a reforma do ensino médio e a Base Nacional Curricular Comum, medidas imprescindíveis para colocar a Educação nos eixos.
A prioridade do novo ministro tem sido a agenda ideológica. Sua gestão promove uma guerra santa contra o “marxismo cultural”, que seria o responsável pelas mazelas da Educação. Em vez de parceiros da aprendizagem, professores chegam a ser encarados como molestadores de crianças, como afirmou uma deputada do PSL.
Segundo essa ótica, o Inep é um antro de “burocratas gramscianos” e contribuições de pensadores e educadores consagrados devem ir sumariamente para a lata do lixo. Já o Conselho Nacional de Educação, responsável por analisar políticas educacionais da maior relevância, é estigmatizado como sendo o “Conselho Soviético da Educação”. Chegou-se ao ponto de se pedir um estudo jurídico para acabar com o Conselho, idéia felizmente abortada.
A agenda ideológica não levará o país a lugar algum. Ou melhor, levará a retrocessos. A receita da aprendizagem é amplamente conhecida: formação, capacitação e valorização dos professores, currículo relevante, ensino interdisciplinar e transversal, bons materiais didáticos, avaliação contínua, reforço e recuperação de alunos sempre que necessário.
A Educação não dará nem mesmo um passo, quanto mais o necessário salto de qualidade, com o ministro se comportando como cavaleiro andante de um moralismo retrógrado a combater moinhos ideológicos. Por aí suas mazelas só serão agravadas.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 12/2/1019.