Andava o norte de Portugal a fritar filhoses para o Natal, enquanto os apaniguados do Doutor Cunhal fritavam latifundiários, ocupando-lhes as herdades, no sul. Foi nestes preparos festivos que Chinatown se estreou em Portugal. A 18 de Dezembro de 1974.
Foi para o lado que o país dormiu melhor, desatenção injustíssima, tantas noites sem dormir custou a Roman Polanski e a Faye Dunaway fazer este filme mais noir do que todas as décadas de film noir. Um cheirinho do enredo e logo se percebe que é obra infectada, um vento de corrupção e peste, expostas feridas sexuais, de que um fragor de incesto é a mais dolorosa. Cheira a maldade, ganância e morte, nesta história de suja especulação de terras e águas em Los Angeles. Por cima e por baixo dessas terras secas e águas clandestinas, há uma incivilizada, urgente, arfante sexualidade, a que Faye Dunaway, Jack Nicholson, o velho John Huston, dão rosto e sopro mefítico.
Esse sopro incivilizado e fétido dominou as filmagens. Nicholson resumiu bem as duas distintas facetas do realizador: “É um tipo irritante quando está a filmar e é irritante quando não está a filmar.” Ora, Polanski tomou de ponta Faye Dunaway. Logo no primeiro dia, no teste de maquilhagem, que fez mais pálida a já lindamente pálida face de Faye, o polaco desatou aos berros de “não, não, mais pálido, ainda mais pálido”, despejando-lhe um quilo de pó na cara.
Que motivação a devia guiar, perguntou-lhe Faye, na primeira cena. Polanski respondeu, com exemplar educação: “Diz a merda do texto, o teu salário é a tua motivação.”
Um dia, Faye tentava alisar um cabelo, que lhe entrava na linha do olhar. Polanski foi-se a ela e ao cabelo, puxou-o e arrancou-o. “Motherfucker arrancou-me o cabelo” e foi um terramoto até o produtor obter tréguas.
Estão, num carro, a filmar uma cena em que Nicholson intimida Faye. Ela pára e diz a Polanski que precisa de fazer xixi. Ele recusa. Ela insiste, ele volta a recusar, e vem à janela da viatura corrigir a cena aos gritos. Faye atira-lhe à cara o líquido de um copinho escondido dentro do carro. Polanski, argh!, berra: “A puta atirou-me mijo”. Corre um mito: talvez fosse mijo de Nicholson.
Obra-prima, Chinatown prova que a arte não é para meninos. De raiva, lágrimas e outras excreções se faz a lenda da sua criação.
Este artigo foi originalmente publicado no jornal português O Expresso.
Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a velha ortografia.