A segunda morte de Luzia

Nas labaredas do Museu Nacional desapareceu o crânio de Luzia, um fóssil de 12 mil anos, o habitante mais antigo da América. Mesmo se for encontrada, Luzia morreu pela segunda vez e com ela o mais rico patrimônio histórico e arqueológico do país. Mais: morreu parcela importante da memória nacional e parte da autoestima dos brasileiros.

As cinzas do mais antigo museu do país ainda não tinham esfriado quando ficamos sabendo de outra calamidade. O ensino básico está falido, segundo os resultados do Índice do Desenvolvimento da Educação-Ideb.

Esse é o retrato de um país em que educação e cultura não são prioridade e suas mazelas são ignoradas por governantes. Por sua vez, a sociedade não se mobiliza para superá-las.

Não é de hoje que a educação tem uma vida severina, morrendo um pouco por dia. Mas como suas chamas são invisíveis, a tragédia revelada pelo Ideb não causou comoção. Nem por isso deixa de ser tão grave quanto incêndio do Museu Nacional.

É comum em desgraças como essas se eleger um bode expiatório. Autoridades se esquivam de suas responsabilidades, como se o incêndio do maior acervo do país ou o fracasso escolar não lhes dissessem respeito. Passada a comoção, tudo volta a ser como antes no quartel de Abrantes, com a educação e a cultura relegadas a último plano. Mais do que buscar culpados, importa em ir às causas para que novos desastres não se repitam.

Elas não serão encontradas em clima de partidarização da perda do maior acervo histórico e científico do país. Atribuir a culpa exclusiva ao governo de plantão ou ao reitor da UFRJ pode servir à disputa política mesquinha, mas é um desserviço ao país, além de não evitar novas calamidades anunciadas.

Não é de hoje que os museus brasileiros sobrevivem em meio de enormes dificuldades, quando não estão entregues às moscas. No caso do Museu Nacional, há décadas. Na base de tudo está a falta de recursos, de resto um problema que não é monopólio da cultura.

Falta dinheiro para a saúde, a educação, a segurança e outras prioridades da população. Como equacionar o atendimento de tais demandas em tempos de cobertor curto e como arrumar novas fontes de financiamento é o desafio a ser enfrentado. O que os presidenciáveis tem a dizer sobre isto?

Sabemos que os museus são poucos frequentados no Brasil. Isto tem tudo a ver com o nível educacional e cultural do nosso povo. Afinal, é exigir muito que um jovem se interesse por nossa memória histórica se ele sequer sabe interpretar um texto.

Esse é o ponto. Países que preservam seus acervos e museus têm educação de qualidade e alto nível cultural. Graças a esses dois requisitos os museus europeus destruídos na Segunda Guerra Mundial ressurgiram das cinzas. Acontecerá o mesmo com o Museu Nacional ou, tal qual Luzia, morrerá mais uma vez?

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 5/9/2018. 

 

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