Apesar da idade, tenho a alma aberta para a modernidade e os benefícios que nos proporciona. Agora descobri que, se a alma aceita, o corpo não. Faz uma semana que não consigo entrar e sair do prédio, a pé ou de carro.
Agora, os portões só abrem se a impressão digital do candidato ao acesso for aceita. À saída da garagem, encosto o indicador no negocinho (não sei o nome dessa trolha) e tudo o que consigo é ouvir uma voz feminina. “Tente novamente.”
Tento novamente e ela diz tente novamente. Tento, ela diz tente. Tento, ela diz tente. Meto a mão na buzina. Alguém da portaria, bom de dedo, consegue – e você pode ter certeza que de primeira. Saio com o carro. Na volta, me animo. Desta vez vai. Encosto o dedo. “Tente novamente.”
Desculpe os maus modos, mas se eu encontrasse o autor do sistema mostraria para ele um dedo erguido. Não o indicador, mas o médio.
Os rapazes da portaria, educados, dizem que há uns tantos moradores com digital complacente. Para estes foram providenciados uns controles que fazem as vezes dos dedos ineptos. Quando receber o meu vou descobrir se comemoro ou mudo de prédio.
Apesar de tudo, procuro manter o moral. Imagino dois assaltantes conseguirem o controle do primeiro portão (são dois, só o segundo digital). Param à frente desse primeiro, e o que vai ao volante aciona o controle convencional. O portão se abre. Entram, e… surpresa: ali está o segundo portão, fechado.
Meliante ao volante.
– Qui quié aquilo, mano?
Meliante ao lado dele.
– Pô mano, é o tal do digital.
– Qui qui nós faiz, mano?
– Mete o dedo, mano.
Põe o dedo.
“Tente novamente”.
Maio de 2017
Valdir, há momentos em que a gente se pergunta: de que jeito ainda viveremos neste dito avanço tecnológico? Tudo pode acontecer, mas o direito de entrar na própria casa deveria ser o mais sagrado de todos. Tal qual o recebimento do salário mensal. Imagino o tamanho do seu espanto com os “cadeados” modernos.