Peço às centenas de leitores que me acompanham (alô, tem alguém aí?) desculpas por falar mais uma vez da vida em apartamento. Mas vejam só.
Passei para um quarto que tem bonita vista para o casario baixo remanescente do bairro em que estou (ao contrário do anterior, que dava para a porção dominada por edifícios).
Recém chegado ao novo aposento, vou trocar a roupa. Estou na primeira metade do quarto. Dispo-me e passo para a segunda metade, onde me espera a muda a ser vestida. Na paz do Senhor, apanho uma camiseta. Só então me dou conta: de seis andares de um solitário prédio lateral pode-se ver perfeitamente a porção de quarto onde estou.
Safo-me do flagrante, retrocedendo à primeira posição, mas com o coração aos pulos (sou da época em que ele não só saltitava, como ficava na mão da gente). E se alguém me viu neste estado? Poderá ligar para a portaria e dizer que tem um velho sem-vergonha se exibindo com as pudendas à mostra.
Pior se for o morador com complexo de inspetor de quarteirão que faz rondas pelo condomínio para que a ordem seja mantida. Esse sujeito, ou um segurança destacado pelo síndico, que a esta altura já foi avisado, sobe para o meu apartamento, me detém, leva para a delegacia.
Sou autuado em flagrante por atentado ao pudor! Se fosse nos bons tempos do (grande) Notícias Populares, estaria na primeira página: VELHINHO TARADO DÁ SHOW E É PRESO. Onde ficaria minha reputação?
Felizmente nada aconteceu. O inspetor de quarteirão devia estar tirando um cochilo, preparatório para as rondas da noite. Se um (a) ou outro (a) vizinho (a) me viu, pode ter encarado a cena como distração própria da idade.
Seja como for, passei a fechar a janela sempre que entro no quarto. Pois a exposição é tão grande, que se eu deitar um pouco durante o dia, posso ser visto. Não faltará vizinho para dizer:
– Sujeitinho folgado, dormindo em uma hora dessas. Por isso é que o Brasil não vai para frente.
É culpa minha!
Abril de 2017
Outras considerações de Valdir Sanches sobre a vida em apartamento:
Ser humano não foi feito para viver engaiolado.
Muita lei, muita ordem: no condomínio, sobram proibições.
O homem não nasceu para morar em apartamento.
A foto de Janela Indiscreta/Rear Window (1954), de Alfred Hitchcock, com James Stewart e Grace Kelly, é pura rabinice do administrador do site.
Grande Valdir Sanches, aproveite o tempo livre (dizem que aposentados e velhos têm de sobra, hehehe) para nos brindar com mais textos bem escritos e gostosos de ler. Diante da falta imensa de talentos na arte de bem escrever, seria uma benção a nosotros que gostamos de ler, desde criancinhas. E um grande, muito grande abraço, amigo, sem viadagem. Hehehe de novo.
Faço minhas as suas palavras, caro Mel!
Abração.
Sérgio
Caros Mel e Servaz, vocês são grandes amigos, grandes camaradas, pessoas educadas e amáveis, uma benção para este velho soldado que teima em disparar seu bacamarte. Forte e agradecido abraço.
Valdir, quanta modéstia, rapaz. Dispare mais vezes seu bacamarte de tiros certeiros, hehehe.
O pior dos apartamentos são mesmo as janelas, quase sempre indiscretas.
Levaste para o novo lar a coleção do JT com tão formidáveis reportagens de página inteira? Tendo tempo, sinta-se homenageado: http://www.expressaorondonia.com.br/vida-de-reporter-em-quem-me-inspiro/