Marina estava hoje em modo tagarela. Loquaz, falante, conversador. Não é sempre assim. Como todo mundo, como talvez as mulheres em especial, é um tanto de lua, de veneta. Alterna modos, moods, humores, ânimos, espíritos.
(Hoje, por exemplo, estou em modo sinônimos. Embora não seja propriamente hoje, é um modo em que fico quase sempre.)
Tem momentos de silêncio – e não apenas quando está vendo numa tela um desenho, um filme, um show, um clipe. Quando está vendo algo na tela, é sempre, sempre, sempre compenetrada, séria, atenta, concentrada. Mas mesmo no meio de qualquer coisa, entre uma brincadeira e outra, ou durante o jantar (é extremamente comum eu estar diante dela enquanto janta), às vezes ela tem momentos de silêncio, de introspecção, de viagem solitária para algum lugar que não é bem ali.
Em geral, está no modo Joy – a personagem de Divertida Mente. Que poderia também ser chamado de modo Anna, a personagem de Frozen, a grande paixão cinematográfica dela até agora. Alegre, agitada, espevitada, pulante, cantante, sorridente, energética, dançante.
Hoje estava no modo tagarela. – “Sabe, vovô? Quando eu venho da escola, eu pergunto pra Cau: ‘Cau, será que vai ter visita hoje?’
E em seguida: – “Vovó, vovó. Todo dia, quando eu venho da escola, eu pergunto pra Cau: ‘Cau, será que vai ter visita hoje?’
Tem essa coisa deliciosa: ela conta uma coisa para mim, e aí repete para Mary – ou vice-versa, inside out, divertidamente. Marina soma os modos tagarela e Joy. Tudo que os netos da gente fazem é absolutamente delicioso, mas essa coisa de Marina contar para mim uma coisa e contar para a avó a mesma coisa é especialmente fascinante.
Chegamos hoje e ela estava no parquinho, mais exatamente no balanço. Nos viu de longe, antes que eu a visse, e gritou pra Cau: – “Visita!” Aí assumimos a posição de sempre, a vó empurrando o balanço por trás, o vô pela frente. E Marina danou a falar. Cantou música nova que aprendeu na escola, explicou que só a Luana é que sabe cantar essa daí. Contou da coisa de perguntar se vai ter visita – para a vó que estava atrás, e outra vez para o vô que estava na frente.
Ao longo da netada, contou que a Luana é do G6, e confirmou que o G6 é a turma dos meninos que são os maiores da escola toda. Depois contou que o João e o Pedro comeram todos os pastéis que ela levou – mas um dos dois, agora já não me lembro qual deles, ofereceu para ela um biscoito de chocolate. Contou que ficou no fim de semana na Casa da Colina e, inquirida por mim, disse que sabia, sim, o nome da cidade, e falou direitinho o nome, Santo Antônio do Pinhal.
Explicou mais de uma vez, depois que eu perguntei se eles tinham levado a bicicleta para a viagem (pergunta besta, porque não teria sentido, lá não tem lugar bom para andar de bicicleta): – “Eu não tenho força para pedalar”. Insistiu, como se fosse preciso de fato enfatizar bem: – “Vovô, vovó, eu não tenho muita força para pedalar”.
Cau preparou para o jantar de hoje ovo mexido, que a pequena adora (além, claro, de arroz e feijão, e mais escarola). Explicou: – “Vovô, eu faço uma última mexidinha, que é um toquinho especial”. E em seguida: – “Vovó, depois eu faço uma última mexidinha, que é um toquinho especial”.
“Toquinho especial” era uma total novidade. Perguntei com quem ela tinha aprendido aquilo: – “Com a mamãe!”, disse, alegre como Joy, como Anna.
Depois do jantar, esticou as duas mãos à procura das nossas e falou, verbo devidamente flexionado para encher o peito do avô de um orgulho infindo: – “Vovô, vovó, venham!”
Se pudesse, amassá-la-ia num abraço apertado de paixão.
Aos 3 anos e 2 meses, Marina ainda troca letras, que nem o Hortelino, que nem o Cebolinha, mas flexiona os verbos, pluraliza os substantivos e adjetivos, e não come os d dos gerúndios.
***
No quarto, propôs uma das brincadeiras favoritas: ela é a mamãe, nós somos o filhinho e a filhinha.
Sentou-se à mesinha dela, numa das cadeirinhas, pegou com a mão esquerda o telefone de brinquedo – telefone fixo, de teclas, algo um tanto démodé – e com a direita o mouse do laptop de brinquedo, e discou. Explicou que estava ligando para a Abuelita nossa.
Quando a nossa Abuelita atendeu, conversou com ela. Disse que estava em casa, trabalhando no computador, e cuidando dos filhinhos. Aí fez uma pausa – e deu uma boa risada. Depois continuou falando, falou mais um pouquinho, se despediu.
E aí explicou para nós, seus filhinhos: – “Sabe por que eu dei risada? Porque a Abuelita de vocês fala umas coisas muito engraçadas.”
***
Aí já era hora de ver DVD. Perguntada sobre qual queria ver, foi peremptória: – “Elsa”.
Houve então, porque tem que haver, aquela negociação toda: o Frozen é grande, não dá para ver inteiro, vai ter que ver só um pedaço. Combinado? Não vai ter chororô na hora de parar de ver?
Aceitou o acordo. Não queria discutir, negociar – queria se sentar e ver Frozen.
Pediu que o avô se sentasse bem do ladinho. E entrou em modo espectadora. Do qual não saiu nem mesmo quando a mãe chegou do trabalho.
Só quando o DVD foi desligado, meia hora depois – o tempo diante de tela é contado, com firmeza e rigor, e os pais estão muito certos –, é que ela então saiu do modo espectadora e ligou o modo choraminga-e-pede-mamãe.
Fofa, doce, maravilhosa, em todos os moods e modos.
31/5/2016
A foto logo acima é do pai Carlos Bêla, no fim de semana na Serra da Mantiqueira.
A foto alto é de hoje mesmo, feita pela Mary enquanto subíamos do parquinho para a casa dela. Foi de Mary, claro, a idéia de nos amarrar com minha blusa. Marina adorou.
Que cara da felicidade, Sérgio. A habilidade de algumas meninas para se comunicar é espantosa. Aqui tem um tal de cabeça de cone, o João Lucas, que ainda não fala nada, com quase um ano e meio. O consolo é que alguns tios dele só falaram aos dois anos. Mas faz uma barulhada ininteligível com a boca. Provavelmente acha que pertence à tribo dos bocas barulhentas. Para ser aceito na tribo, é necessário fazer os mesmos ruídos estranhos que fazem os adultos. Fomos ao shopping domingo comprar umas roupas de frio para ele, mas o danadinho se recusou terminantemente a vestir qualquer uma. Fugiu três vezes do provador, vestindo apenas uma fralda meio caída. Ele é rapidíssimo. Fugia para não ter que provar a roupa e também para ficar olhando, através da mureta de vidro, a movimentação no andar inferior da loja. Compramos as roupas pela numeração. Outra coisa meio inesperada é a preferência dele por brinquedos. Minha casa ainda tem uma imensidão de brinquedos femininos, antigamente pertencentes às seis netinhas, agora mais crescidas. Nada mais natural que um menino, tendo todos esses brinquedos à disposição, brinque de casinha, com panelinhas, bonecas e tudo mais do universo das meninas. Ele não foi reprimido por ninguém. E eu acredito de verdade que a atitude dos adultos é determinante nessa escolha, pois uma criança não tem como distinguir o sexo dos brinquedos. Experimentou todos. Do montão de brinquedos, ele adora um patinete, mas para fazer girar a roda ou tentar arranca-la. Fora isso, só brinca com dois objetos: uma miniatura de carrinho vermelho, fazendo vrummm, e uma bola, que chuta e sai correndo atrás. Rendida, a tia-avó psicóloga e feminista acabou comprando um carrinho de bombeiros à pilha e com sirene. Ele tem um pouco de medo da movimentação e da sirene. Prefere brincar com carro desligado, fazendo ele próprio o vrummm. Aliás, vrummm parece ser a única palavra do vocabulário dele. Lembrei de outra preferência: é louco por uma galinha de madeira e chora se não puder brincar com ela. Trata-se de uma peça frágil de artesanato que fica na varanda, para desespero da minha mulher. Com certeza, vai conseguir falar como a marina assim que chegar aos 8 anos.
Deliciosos os textos. Fortaleceu minha esperança.
Aos 8 anos o João Lucas com certeza vai chamar LCT para caminhar. Marina aos 15 será a autora dos textos editados pelo avô.
Vrummmmm proceis!
Luiz e Sérgio.
No Universo
os deuses em forma de estrelas
brincavam de esconde-esconde
como crianças mágicas.
Vrum pra nós, Miltinho!
Luiz Carlos, não se preocupe com isso da língua do cabeça de cone ainda estar enrolada. Super, super normal. O fantástico é como de repente, do nada, desenrolada, e os bichinhos saem falando tudo!
Agora, vem cá: dá pra não ter cara de felicidade com esse bichinho no colo, a mãozinha dela no meu peito?
Abração.
Sérgio
As duas fotos são lindas, mas a do pai da Marina, é maravilhosa. Merece um lindo porta-retrato!
Um beijo, querida Marina.
MH
Deve dar orgulho mesmo vê-la flexionando os verbos e não comendo o “d” dos gerúndios (algo raro hoje em dia até com ex-presidentes).
Pluralizar o “venha” nessa idade não é comum. Mas eu acho tão bonitinho criança trocando letra, falando “errado”. É uma fase que passa rápido, porque elas aprendem e evoluem super depressa, ainda mais no caso da Marina.
Adorei as fotos e a ideia da Mary de amarrar os dois com a blusa do vovô.