Gosto de ler dicionários, e em especial um, o etimológico de nomes, de Antenor Nascentes. Ele me ajuda muito. Não sou muito chegado a crendices horoscópicas e afins, mas isso nada tem a ver com minhas observações. As palavras vieram depois das coisas, um modo eficaz que os humanos inventaram de designar o que conheciam e se comunicar, os vocábulos significando, na origem, exatamente o que eram.
Por exemplo. Itaorna, do tupi-guarani, quer dizer pedra que se esfarela e o governo dos tempos militares ignorou esse saber e construiu, em Angra dos Reis, nossas usinas nucleares. E as pedras são realmente podres.
Assim, os nomes das pessoas têm significado, o que não quer dizer que a pessoa que resultar da denominação vai corresponder à previsão dos pais.
Não parece ser o caso do meu personagem de hoje que, vivo, estaria fazendo cem anos. O sentido de seu nome, Tancredo, é “conselheiro com reflexão”.
E há uma possibilidade de ser “conselheiro agradecido”. Pensa, aconselha e ainda fica agradecido. Combina com o que ele foi. Nestes tempos em que política, em todo o mundo, passa por um descrédito justificável, tais os absurdos cometidos contra a democracia pelos que deveriam representá-la e defendê-la, sinto-me bem em me lembrar de um mineiro e brasileiro que foi exemplo de vida e atitudes diferentes do que estamos acostumados nos dias de hoje.
Adolescente, ouvi pelo rádio e li nos jornais as notícias do golpe militar, muito apoiado por gente que andava pela mesma cidade que eu. Chorei, menino, com o golpe que, nem imaginava, bloquearia nossas vidas por mais de 20 anos. Passei minha juventude e muito tempo de minha adultância em meio a uma ditadura. Vivi, estudei, virei compositor, marido e pai naquele ambiente opressivo. Consegui construir uma existência pessoal digna e boa, mas o ar das ruas era irrespirável.
Vi, vimos, em 1982, depois de um longo e sofrido caminhar, que era possível chegar à democracia. A candidatura de Tancredo Neves ao Palácio da Liberdade, naquele ano, era a porta que se abria para o fim do autoritarismo. O governo de Minas, estava escrito com todas as letras para nós poetas e sonhadores, era o passo certo para a rampa do Planalto Central e a volta dos brasileiros livres ao poder. Abracei, abraçamos, aquela causa com todas as nossas forças.
E estávamos certos.
Cantamos em praça pública, e Belo Horizonte nunca vira nada parecido, para uma multidão de mineiros ávidos de música, beleza e liberdade.
“Mineiros: o primeiro nome de Minas é liberdade”, ouço até hoje. Por ter sofrido o pior e participado discretamente da construção da solução, abro meus braços e meu pensamento para Tancredo Neves, conselheiro que pensava e que ajudou os brasileiros a acreditar que a democracia era possível.
Continuo acreditando, mas prestando muita atenção no que se passa.
Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas
Fernando,
que bom que você segue acreditando.
Abraço
Vivina