Se há alguma coisa que a criatura Dilma herdou do criador Lula é uma forma diferenciada de “húbris”, que é a definição que os gregos davam ao sentimento de pessoas que não tinham comedimento e passavam dos limites.
A húbris de Lula gira em torno da crença de julgar-se ele o criador do céu e da terra, sem cuja augusta presença o Brasil ainda estaria no estágio em que os índios comiam bispos fervidos e amaciados em grandes caldeirões aquecidos a lenha.
A húbris de Dilma é um pouco diferente. Ela é apenas a criatura que está livre da fragilidade humana do erro, e além disso concentra em si toda a essência, as virtudes e a representação da própria democracia. Ela é a democracia, enfim.
De uns tempos para cá, pra ser mais exato depois da segunda posse, a presidente tem andado às voltas com problemas administrativos, econômicos e políticos dos quais não têm conseguido dar conta.
Por conta da farra fiscal do seu próprio mandato anterior, ela se vê obrigada a conviver com a tarefa de consertar o que ela acha que não está errado e isso cria uma realidade esquizóide com a qual a mais sábia das criaturas não conseguiria lidar – quanto mais ela, que não é propriamente um monumento à sabedoria.
Se ela acha que fez tudo certo, mas tudo deu errado, como, quando e onde consertar?
Esse dilema existencial é praticamente insolúvel. Ela lançou mão de um Chicago boy, como Joaquim Levy, para tranquilizar o mercado e deu-lhe a tarefa de consertar o que ela estragou. Mas se ela não reconhece que foi ela própria quem estragou, como transferir confiança e apoio para quem ter a impossível tarefa de consertar o que, segundo a chefe, não está tão estragado assim?
Pode parecer uma espécie de mito de Sísifo. A pedra é empurrada até o topo da montanha e quando chega lá em cima volta a rolar, e é carregada para cima de novo, e assim será até o fim dos tempos.
Entre uma faina e outra para tentar consertar o inconsertável, lutando contra os moinhos de vento assoprados pelo seu próprio partido e fustigada pela oposição, pela sociedade e por uma popularidade que beira o chão, a presidente encontra espaço, em suas perorações públicas, para fazer-se de vítima, o que ela deve achar que lhe cai bem, pois se tornou um dos seus papéis preferidos.
Por isso ela transformou o tema do pedido de impeachment (que agora existe de verdade, embora não se possa garantir que venha a ser colocado na ordem do dia) num assunto obsessivo de seus solilóquios hamletianos que não costumam ter começo, meio e nem fim.
Da última vez, ela criticou quem pretende “usar a crise para golpe” e disse que “qualquer forma de encurtar o caminho da rotatividade democrática é golpe, sim”.
A húbris da presidente se manifesta de maneira menos arrogante do que aquela do criador do céu, da terra e dela mesma, mas o conceito termina por mostrar que ela se considera a própria encarnação da democracia, acima da lei e da justiça, e que qualquer um que ouse contestá-la dentro dos instrumentos que a própria democracia disponibiliza é um “golpista”.
Com tantos deuses nos protegendo e pairando acima de nós – encarnados no Criador e na Criatura – é de se perguntar, afinal de contas, por que o País está tão longe do paraíso, e cada vez mais longe.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 18/9/2015.
Foto e arte de Antonio Lucena.
O paraíso é aqui. Sem os deuses do memento e sem os deuses do passado. As desigualdades sempre existiram, apenas reduzem ou aumentam sob os auspícios dos deuses.
Só o caos trará alguma luz, dado que temos uma população resignada e acostumada com o arreio afivelado nas costas enquanto do outro lado a máfia de políticos oportunistas, de ladrões com dedos refinados e comunistas travestidos de democratas pilham as finanças e as mentes, só para se apoderar do futuro da pátria e matar o do povo.