Brigitte Bardot é a antítese – antítese marxista, mesmo – de Marilyn Monroe. O léxico de BB nem sequer incluía a palavra “sexo”; já o léxico de Marilyn não precisava de mais nenhuma.
Têm ambas as mais subtis e maravilhosas curvas. Mas há uma cruel luta de classes a separar a lábil e citrina geometria de cada uma delas. Bardot casou virgem, com o enfant terrible Roger Vadim. Era pelo menos o que pensavam os selectos pais dela. A forma como Bardot casou virgem sem ser já virgem é que faz toda a diferença entre o mundo dela e o de Marilyn.
Os pais tinham autorizado o namoro de BB e Vadim. Namoro à vista. Para dialécticos saltos qualitativos, encontravam-se às escondidas. No primeiro encontro BB perguntou ao amado: “E agora, já sou mulher?” Ele foi sincero: “Já és 25%.” Ao segundo encontro, a mesma pergunta e Vadim, ofegante, terá dito: “Já és 75%.” Ao terceiro encontro, ele disse-lhe o que ela já não precisava que ele dissesse e Brigitte, abrindo as portadas da varanda de um recluso quartinho, gritou para uma estreita rua de Saint-Germain-des-Prés: “Já sou mulher.” Os aplausos do bairro fizeram-na perceber que estava deliciosamente nua.
Bardot era uma nua menina de liceu, desses franceses anos cinquenta em que o amor se começava a conjugar transitiva e intransitivamente com o sexo. Era inocente e, pasme-se, guardou sempre a inocência. Fala-se muito do pecado católico, europeu, mas há muito mais pecado e ínvios sentidos no mundo WASP que deseja Marilyn, e nesse desejo a tortura, do que no mundo de primeira comunhão e crisma de BB.
Vadim casou com Brigitte. Filmou-a em Et Dieu Créa La Femme venusiana, amoral. Deus criou a mulher, Vadim criou o mito. E estava Vadim com o mito em Roma, num hotel, quando uma suiça de indescritível orografia, que namorava um actor amigo, veio ter com eles, a chorar, amorosamente insolvente e sofrida. Trouxeram-na para o quarto deles e, havendo só uma cama, dormiram juntos. Todos juntos e fé em Deus, porque a inocência de BB não admitia cá bouquets. Vadim, nas memórias, conta que estava sentado num cadeirão e elas as duas ingenuamente nuas na cama. Olhava, siderado com os claros-escuros delas, como siderado se fica a contemplar uma Madonna de Bellini. A inenarrável suiça era Ursula Andress. Tudo o que fizeram foi rir-se e conversar muito.
Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.
Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia.