Isso do nada se cria, nada se perde, tudo se transforma também tem os seus limites. Lavoisier, está visto, não conhecia Robert Redford, que é, digamos, um William Holden dos últimos 50 anos do cinema americano.
Passa-se a carreira de Redford a limpo e não se lhe apanha uma mancha, uma pequenina nódoa na camisa. Mesmo ao seu amigo Paul Newman, já o vimos a torcer-se todo. No zinco quente de Liz Taylor ou numa sala de bilhar, Newman tortura-se, impotente – vê-se que Newman é um actor a representar, vê-se que Newman se transforma para fazer o falhado, o loser de The Hustler que depois se há-de redimir em Color of Money. Ora Redford não está para convulsões físicas ou metafísicas: é sempre ele, só ele. Mudem as lindas moscas que lhe põem ao lado, Jane Fonda, Mia Farrow, Meryl Streep, Demi Moore, e ele continua a ser a star, o americano loiro que tanto sussurra aos ouvidos das mulheres como aos dos nervosos cavalos selvagens.
O Brando de Last Tango in Paris, o De Niro do Raging Bull, por mais “estrelas” que sejam, são actores e têm de sacar das vísceras as personagens a que dão vida. Pagam com o fígado, com o estômago, e não me vou pôr para aqui com conversa de intestinos. Pois sim, há uma linha de “basta-me ser quem sou”, que vem de William Holden, do primeiro Gary Cooper, e Robert Redford é o epítome dessa linha de golden boys – talvez seja o último, agora que o cinema americano, mais latino, mais negro, está cada vez menos ruço.
É alto, dizem. Um metro e oitenta pelo menos, embora se fale de um metro e oitenta e dois, um metro e oitenta e quatro. Aliás, a altura de Redford é das raras matérias de controvérsia da sua biografia. Parece que mede apenas um metro e setenta e seis. Os ilusórios centímetros a mais que se lhe atribuem são a medida do seu imutável ego: são os quatro a oito centímetros que cresce sempre que uma gentil câmara o alisa.
E tanto lhe basta ser ele que, em All is Lost, o navegador solitário que o vemos ser no ecrã – a única personagem a flutuar na solidão de mar e céu que é esse filme sufocado – nem nome tem. Sozinho, 77 anos, água, nuvens, um barco e uma câmara, sabemos que estamos a ver Robert Redford, a cara natural do último americano tranquilo.
Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.
Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia.
The Hustler no Brasil é Desafio à Corrupção. Raging Bull é O Touro Indomável. O recente All is Lost no Brasil é Até o Fim.