O Brasil deveria conhecer Regina Dias

A música brasileira é tão esplendidamente rica, tão variada, tão povoada por criadores, intérpretes e instrumentistas magistrais, que muitas vezes grandes artistas, como, só para dar pouquíssimos exemplos, Sidney Miller, Walter Franco, Tavinho Moura, Renato Teixeira, Almir Satter, não são considerados do primeiro time. Ou, no mínimo, não são lembrados como deveriam.

No caso das cantoras, a quantidade de gente boa é tanta que muitos talentos passam quase despercebidos, ou, no mínimo, têm imensa dificuldade de mostrar seu trabalho para um maior número de pessoas.

É o caso de Regina Dias.

Regina Dias é uma ótima cantora. Tem belo timbre de voz, afinação perfeita, balanço, ritmo, graça. Com MPB na veia, canta bossa nova, samba tradicional, dos grandes mestres, samba de raiz, partido alto.

Não fica nada, absolutamente a dever a cantoras como Mariana Aydar, Céu, Marina de la Riva, Teresa Cristina, Fernanda Porto, Vanessa da Mata, Rita Ribeiro, para citar só algumas poucas das cantoras surgidas nos últimos 10, 15 anos, e que, ao contrário de Regina Dias, tiveram seus discos divulgados nacionalmente e fartamente comentados pela imprensa.

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Não é uma iniciante. Tem mais de 30 anos de carreira. Participou de vários festivais de música, fez vários shows em teatros de diversas cidades, foi produtora de espetáculos. Já abriu shows de Chico César e Dominguinhos. Só em 2014, no entanto, teve a chance de gravar seu primeiro disco, Fantástico Urbano.

zzregoma1Praticamente toda a carreira de Regina Dias aconteceu no interior de São Paulo, esse mundo imenso, desenvolvido, rico, mas que passa à margem do que é badalado nos jornais e revistas de circulação nacional.

Nascida em Ribeirão Preto, ela se radicou a partir da década de 80 em São Carlos. Fez shows – em bons teatros, como os do Sesc – em São Carlos, Araraquara, Ribeirão Preto, Piracicaba. Tem seu público cativo – mas só nessas cidades do interior paulista e suas regiões.

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Para ser uma boa cantora, não é necessário – é claro, é óbvio – ser uma pessoa fascinante. Regina Dias, por todos os indícios, no entanto, é, além de ótima cantora, uma pessoa admirável. Formou-se em enfermagem pela Universidade Federal de São Carlos, e trabalha na UTI pediátrica do Hospital das Clínicas da Unicamp. E ainda encontra tempo para jogar vôlei – ainda recentemente, participou do Torneio da Amizade de Voleibol Masters Internacional em Águas de São Pedro.

Ah, sim: em meio ao trabalho como enfermeira, a música e o vôlei, criou dois filhos.

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Fantástico Urbano é um disco de produção esmerada. Regina Dias e Murilo Barbosa, diretor musical e autor dos arranjos, reuniram um bom time de instrumentistas, que demonstram ter de competência o que não têm de fama. E os arranjos vão muito, muito além da formula simples violão, baixo e bateria. Estes estão lá, é claro, mas há também piano, contrabaixo, bandolim, flauta, sax soprano, violinos, acordeon, trompete, trombone, viola, violoncelo, guitarra elétrica.

Com os bons arranjos de Murilo Barbosa, as diversas combinações de instrumentação e a variedade melódica das 15 canções – algumas de ritmo mais acelerado, alegre, outras mais lentas, suaves –, Fantástico Urbano é um disco movimentado, jamais monótono ou repetitivo.

Na escolha do repertório, Regina Dias foi ousada, extremamemte ousada. Escolheu músicas novas e/ou praticamente inéditas, de compositores ainda pouco conhecidos: André Fernandes-Menê Crosara, Carlin de Almeida- Mauro Mendes, João Pernambuco-Marco Araújo, Clarisse Grova-Felipe Radicetti, Marcelo Ramos-Carla Cabral, Marinho San, Dimi Zunquê-Josias Damasceno.

É fascinante saber que esses compositores – que Regina conheceu através da música, e de quem virou amiga – são de diversos Estados do Brasil, muito deles de fora do eixo Rio-São Paulo. André Fernandes, Bia Mestriner, Dimi Zunquê, Josias Damasceno são do interior paulista. Menê Crosara nasceu em Uberlândia (MG) e mora em Goiás. Carlin de Almeida é de Uberlândia e Mauro Mendes, de Belo Horizonte. Marcelo Ramos e Carla Cabral e Floriano Santos são de Belém. Paulo Monarco é de Cuiabá. Marco Araújo é do Rio Grande do Sul. Felipe Radicetti e Clarisse Grova são do Rio de Janeiro.

Tem compositor novo em tudo quanto é canto deste país.

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De cover, de regravação de canção conhecida em todo o país, há apenas “E daí?”, de Miguel Gustavo  – aquela que diz “Proibiram que eu te amasse, / proibiram que eu te vise, proibiram que eu saísse / e perguntasse a alguém por ti”, gravada por Aracy de Almeida, Isaura Garcia, Maysa, Elza Soares, Jards Macalé, Gal Costa, entre muitos outros.

Regina Dias é ousada. corajosa.

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Sai-se maravilhosamente bem cantando a música já tão gravada e regravada. Ela e Murilo Barbosa transformaram o samba-canção em tango. Ficou gracioso, com um ar de insolência.

“Senhor compositor”, da dupla João Pernambuco-Marco Araújo, tem uma bela letra: “Senhor compositor, jogue o palavreado / a melodia certa pra canção perfeita / um pouco de tristeza pra dar tom ao choro / dois dedos de pimento temperando o molho”.

“Marrento”, de Clarisse Grova-Felipe Radicetti, faz uma ferina gozação com os politicos, e Regina Dias mostra ginga e bom humor. “A santa”, de Paulo Monarco, é outra canção de boa ginga, ironia – e ousadia: “Pisou no peito de Deus / procurando a salvação /Biritou junto a Jesus / Mas deixou o homem na cruz.

Há espaço até para uma canção safadinha, falando de sexo de um gostoso jeito livre leve solto, “O Beijo”: “É na química de um beijo que a gente sente se vai dar pra rolar ou não”.

Duas das canções – a que dá o título do disco e “Francisco e Maria”’ são da autoria de Bia Mestrimer, que, não por coincidência, é irmã da cantora. A canção “Fantástico urbano”, escrita para o disco, é uma homenagem à artista plástica Odilla Mestriner (1928-2009), autora de uma série de quadros à qual deu esse nome. O encarte do disco – mais rico e bem realizado do que muito encarte de CD feito pelas multinacionais – reproduz vários dos quadros da artista, que também não por coincidência é tia da compositora Bia e da cantor Regina. O encarte é obra da fotógrafa e artista plástica Andri de Oliveira.

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Caetano cantou que São Paulo, a cidade, é como o mundo todo, e ele está certíssimo. Mas São Paulo, o interior do Estado, também é como o mundo todo, e Regina Dias gravou seu Fantástico Urbano lá mesmo, no estúdio Outside, de Araraquara; o dono do estúdio, Marquinhos Froco, é o responsável pela produção de áudio, gravação e mixagem, e é também o baterista em todas as faixas. Só a masterização foi feita na capital.

Se a cantora não precisou sair de perto de onde mora para fazer seu disco, sua arte deveria fazer diferente. A música de Regina Dias não merece ficar restrita às grandes cidades do interior paulista. Precisaria ser conhecida por muito mais gente país afora.

Onde achar: Em breve o CD Fantástico Urbano estará à venda para download na internet, em sites específicos. Até lá, os interessados podem obtê-lo diretamente com a cantora, por R$ 30,00: e-mail (reginnadias@gmail.com), Facebook (Regina Dias), My Space (www.myspace.com/reginadias). A entrega será feita pelo Correio.

Este texto foi originalmente publicado no Jornal Movimento, em julho de 2014. 

Um comentário para “O Brasil deveria conhecer Regina Dias”

  1. Ótimo o texto, Sérgio deixa as compilações e nos traz, notícia, cultura, opinião verdadeira e conhecedora.
    Vale a pena conferir.

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