São Paulo vivia grande expectativa, quando a noite de 15 de novembro de 1889 abateu-se sobre seus 64 mil habitantes. Da capital do País, o Rio de Janeiro, chegara a notícia de que o marechal Deodoro da Fonseca havia proclamado a República. Mas, aqui, não se tinham informações completas.
Grupos formavam-se à frente das redações de jornais, que, de quando em quando, afixavam na parede mais algumas notícias. O comércio funcionava normalmente. Não havia agitação na cidade, mas ninguém podia descartar uma reação de descontentes. Chegou-se a mobilizar um esquema de policiamento, à toa. A noite terminou em paz.
O dia seguinte, 16, seria inesquecível. Às dez da manhã, chega ao 10º Regimento de Infantaria a informação de que o Corpo de Permanentes, instituição militar, atacaria o quartel com apoio da polícia. Os Permanentes tinham base em um anexo do convento do Carmo, na ladeira do mesmo nome, hoje Avenida Rangel Pestana. O quartel ficava perto.
Os oficiais do regimento receberam a má notícia vestidos com seu fardamento de gala. Estavam prontos para assistir à posse do governo provisório, no Palácio do Governo. A esse tempo, o novo governo de São Paulo já estava nomeado. Compunha-se do político e jurista Celso Garcia, do político e advogado Prudente de Moraes, que seria o terceiro presidente da República, primeiro por eleição direta, e do coronel Joaquim Souza Murça.
Os dois primeiros ainda estavam, às dez horas, no Club Republicano (o coronel Murça viajava por Sorocaba). Daí deveriam seguir para o Palácio do Governo, onde instalariam o governo provisório. Mas o presidente da Província (equivalente a governador do Estado), o general Couto de Magalhães, resistia. Tropa, sentinelas e postos de resistências protegiam o palácio.
A notícia do ataque ao 10º Regimento de Infantaria desencadeia providências nesse quartel. A cavalaria e a infantaria são postas de prontidão. No portão, dispõe dois canhões. O jornal A Província de S. Paulo, que passaria a ser O Estado de S. Paulo, registra que o povo, decidido a defender o novo governo, “arma-se com revólveres e carabinas”.
Três cidadãos apresentam-se no quartel. Ficam sabendo que o comandante precisa de “cem patriotas”, para reforçar a guarnição. Os três saem às ruas, em busca de cem voluntários. Voltam com mais de trezentos.
Os oficiais criam um corpo de 100 lanceiros e 50 carabineiros. Lançam mão das armas do quartel, e de outras, enviadas por um colaborador. “Um patriota que, logo que soube da ameaça, mandou dois caixões com carabinas Winchester e um com cartuchame (munição).”
Um oficial foi instruindo os novatos no manejo das armas. Escreve o repórter de A Província/O Estado:
“Era de ver-se o ardor, o brio e o denodo com que essa mocidade, em grande parte pertencente ao comércio, exercitava-se disciplinada, como soldados aguerridos, à voz de comando, fazendo marchas, contra-marchas e evoluções, brandindo as lanças, com perfeita compreensão de seu dever cívico, entre as aclamações das praças, da oficialidade e de populares.”
Por esse tempo, Rangel Pestana e Prudente de Moraes saem do Club Republicano, seguidos por uma multidão. Impedidos de entrar no Palácio do Governo, seguem para o Paço da Câmara Municipal, uma caminhada de meia hora. O paço ficava no Largo do Teatro, que englobara o Largo de São Gonçalo – hoje Praça João Mendes.
Bandeiras republicanas pendem da sacada. No plenário, o retrato de D. Pedro II desapareceu. Em seu lugar, há um cartaz impresso a ouro: Viva a República! O povo lota o paço, o largo, as ruas próximas.
Sucedem-se os discursos, e os dois republicanos são aclamados membros do governo provisório. Emissários dos republicanos vão ao Palácio do Governo e voltam com uma nova informação: Couto de Magalhães estava disposto a se manter no posto, até receber confirmação da vitória republicana, e ordem para entregar o poder.
À uma da tarde, no quartel do Regimento de Infantaria, os oficiais estão preocupados. Não havia, no Palácio do Governo, sinais de solenidade de posse. Um dos três recrutadores de voluntários, Hipólito da Silva, vai até o palácio e volta com instruções. Os 150 lanceiros e 50 carabineiros devem marchar até o Largo do Palácio, onde ficava a sede do governo, e permanecer nos jardins.
Começa a mobilização dos voluntários. Estão saindo do quartel, quando chega um oficial com a notícia esperada. Está tudo pronto para a posse no Palácio. A notícia faz o quartel explodir em vivas e aclamações à República, ao Brasil, à liberdade, com chapéus e bonés militares lançados ao ar.
O Palácio do Governo ficava no que fora o colégio dos jesuítas, no Pátio do Colégio, rebatizado como Largo do Palácio (em 1954 o Pátio retomaria o nome e a feição originais). O cortejo com Rangel Pestana e Prudente de Morais deixa o Paço da Câmara e faz o curto trajeto até o palácio. O povo fica no jardim.
Dentro, tudo se passa muito bem. Couto de Magalhães recebera telegrama de Quintino Bocaiúva, civil que estava ao lado do Marechal Deodoro na proclamação da República. Entrega o governo a Prudente de Moraes e Rangel Pestana, e os homenageia com um discurso eloquente. O Corpo de Permanentes prestigia a solenidade. O coronel Joaquim Souza Murça chega a São Paulo em trem especial, a tempo de ser empossado. O povo, embalado pela Banda dos Permanentes, ficaria no jardim do palácio até o fim da noite.
Prudente de Moraes e o coronel Murça terminaram a noite no principal teatro da cidade, o São José, no Largo de São Gonçalo (que, como se viu, integraria a Praça João Mendes). Ao chegar, são ovacionados pela plateia. A orquestra irrompe com a Marselhesa.
O deputado Martinico Prado discursa. Lembra que aquele 1889 marca cem anos da eclosão da Revolução Francesa. Por fim, o dia acaba em “sangue”. Leva-se a ópera Os Huguenottes, que relembra o massacre de São Bartolomeu, praticado por católicos contra protestantes, na França, em 1572.
Esta reportagem foi publicada originalmente no Diário do Comércio, em 15 de novembro de 2013.
O Brasil introduziu no cardapio político, a PIZZA.
Miltinho, não me diga que você é monarquista.
Não Valdir apenas observei que a república das bananas se transformou em república das pizzas.
Seu texto e o livro 1889 mostram uma passagem histórica um pouco diferente da que me contaram.
Miltinho
Retirei as informações das edições do Estadão daqueles dias (fui ao acervo, à disposição de assinantes) e, alguma coisa, do material de um historiador.
Bom trabalho, merece o destaque pela oportuna informação.
Meus comentários são de quem se pautava pela ignorância em relação a chegada da república a São Paulo e sua importante trajetória na vida nacional após 124 anos.
Parabéns.