Pois que morram jovens se quiserem, mas fiquem a saber que a verdadeira beleza está na velhice. Disse verdadeira? Se tivesse uma ponta de coragem eu devia ter dito, a única.
Não olhem para James Dean, nem mesmo para Wynona Ryder ou Keira Knightley. Deixem lá a carne macia, a lisa e acetinada pele, aqueles olhos de mar e céu. A única beleza é a do velho que caminha devagar.
Parece que John Wayne também foi jovem e arrependo-me já de ter dito isto porque Wayne foi sempre velho. E só não arranco estes olhos que o viram, juvenil e heróico, no mudo Big Trail, de Raoul Walsh, ou em Stagecoach, de John Ford, por terem sido os mesmos olhos que depois o viram como viram onde vou já dizer.
Wayne tinha 40 anos e Howard Hawks, em Red River, sufocou-lhe de velhice a saudável e indesejável juventude. Sabem como é a bota que calca uma boca? Assim era, bota na boca, a pasmosa beleza da velhice com que Hawks emudeceu John Wayne.
Tinha 40 anos e Hawks transformou-o num cow-boy que leva uma homérica manada de gado para vender no Missouri e vê o filho adoptivo, como César viu Bruto, virar-se contra ele. Hawks pôs-lhe 50, quase 60 anos, na cara e no corpo. Com maquilhagem, com virtudes morais e, em cima disso tudo, um cansaço milenar a albardar-lhe a vida.
Wayne, um ano depois, em 1949, no She Wore a Yellow Ribbon, de John Ford, num forte perdido no meio dos índios, foi capitão de cavalaria a poucos dias da reforma. Ford esfregou-lhe 65 anos no rosto de viúvo, nas cãs brancas a enfeitar-lhe a cabeça, no andar oscilante e cansado, no sopro de desilusão a soltar-se do seu olhar aberto em íris.
Nunca nenhum actor fora velho antes de o ser. Nesses anos de pós-guerra, a preto-e-branco com Hawks, a technicolor com Ford, o corpo de baseball de John Wayne, o seu metro de ombros que mal se sustentava nuns pequenos pés de Ulisses, ofereceu à América e ao mundo uma ética e uma estética da velhice. Aquele gigante, um cansado Lidador se a América e o mundo soubessem o que era um Lidador, fez da velhice um ideal. Corria-se para os cinemas a ver um velho: John Wayne foi, durante décadas, um modelo para gerações, imbatível na bilheteira.
E era um velho de maus fígados. Num filme que fez com John Huston, desentenderam-se. Wayne agarrou o realizador ecologicamente pela área hortícola (se assim se pode dizer), e pôs-lhe um punho filosófico encostado à cara, encerrando a disputa. Nunca mais trabalharam juntos, o que, para o meu subjectivíssimo juízo, diz muito e bem do rijo e velho Wayne.
Todo o velho – bem sei – é um corpo em cima de duas pernas de solidão. Assim é John Wayne em The Searchers, Rio Bravo, Liberty Valance ou mesmo no melhor beijo do cinema, quando come a boca de Maureen O’Hara, em The Quiet Man: beijo de vida, beijo de morte.
Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.
Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia
O velho Wayne, sempre de pé, a cavalo, rijo e destemido. Sempre despertando inveja e falsa jovialidade. Não lembro de Wayne despido, na horizontal, na cama de Maureen O’Hara.
Desde “The Drop Kick” (Triunfo às Avessas), 1927 até o derradeiro “The Shootist” (O último pistoleiro,1976 foram 49 anos de carreira, 142 filmes, sempre na vertical, poucas vezes na horizontal, na verdade não lembro de única cena onde não tenha representado o machão ereto, bruto e velho.
Fez marcantes personagens, um Oscar em “True Great” no papel de bêbado e eternamente velho.
Wayne foi nosso herói a cavalo, etermo no papel de velho, reticente como galã sexy, papel representado por outro grande ator, Marlon Brando, sempre na horizontal e na cama de Liz Taylor dentro e fora das telas.
Wayne teve vida amorosa pacata, 3 casametos
O velho Wayne sempre representou estética e eticamente seu papel de VELHO. Morreu de velho.
O beijo que o Wayne dá à Maureen O’Hara é bem na vertical e em movimento paroxístico, Miltinho.