Quantas vezes, na hora da conta, eu e meus amigos, deslumbrados pela boa conversa e inebriados pelo álcool suave das cervejas não imploramos por uma rodada saideira? Sempre sem consequências a não ser desfrutar por mais algum tempo de um momento agradável com pessoas que a gente gosta e admira.
Alguns desses nos deixaram muito antes da hora, de surpresa, sem nos deixar a chance de pedir uma penúltima. É de um deles que eu me lembro agora, nesta tarde de quase inverno .
O que eu vou contar, uma singela história de amizade, aconteceu há mais de trinta anos. Eu conseguira comprar um lote no bairro da Cachoerinha e comecei a pensar na possibilidade de construir uma casa e fugir das incertezas do aluguel.
Um casal amigo, os arquitetos Mariza e Veveco Hardy se prontificaram a criar um projeto e meu cunhado, o Marção, amigo que guardo no lado esquerdo do peito, resolveu cuidar da engenharia da edificação. Sem esses três não sei o que seria de mim.
Tudo pronto, pensamos em fazer uma casa mineira, com material de demolição. Pacífico Mascarenhas me orientou nessa busca. Pude comprar uma bela escada de peroba rosa e portas de uma residência da Rua Ceará. Não consegui arrematar a bela varanda que eu já namorava há algum tempo. “Se um dia eles demolirem essa casa, eu quero essa varanda’, pensava eu em minhas caminhadas pela região. Biléo, o arquiteto Gabriel Aun, já tinha adquirido a jóia. O Veveco me ajudou a convencê-lo a repassá-la para mim.
Enquanto vagarosamente, e de acordo com o dinheiro que eu tinha, a obra andava, pus-me à busca de mais material para o que queríamos. Fui até Sabará e, depois de conversar com o chefe da estrada de ferro, reservei trezentos dormentes inservíveis. Mas ele permitiu que eu escolhesse, entre eles, os que me serviriam e não apenas os que só se prestavam para mourões de cercas de sítios e fazendas.
Carpinteiros conhecedores das coisas do interior de Minas trabalharam com esforço e precisão para tornar aquele madeirame gasto em algo útil para meus planos.
Aí soubemos de uma janela linda, à venda. Combinamos com o proprietário a compra e ele marcou o fechamento do negócio para o sábado, às 14 horas. Eu, o Veveco e um amigo nos encontramos por volta do meio-dia, em um bar. A conversa proveitosa e excelente, a cervejinha descendo suavemente pelas gargantas sedentas, lá íamos nós em nosso plantão. Consultávamos o relógio, ainda havia tempo. Quando eram quinze para as duas, pedimos a conta. Mas um de nós pediu a inevitável saideira. Chegamos ao lugar do encontro dez minutos atrasados. E o danado do Paulinho Borges já passara a janela para outra pessoa. Não acreditei naquela absurda pontualidade. Saímos desolados e o amigo resolveu lembrar que se não fosse a saideira…
Da janela eu não sinto a menor falta, mas do Veveco eu não me esqueço.
Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em junho de 2013.
As histórias e textos do Brant me fazem sonhar com BH, bairro da Cachoeirinha, uma bela casa mineira, com bares, clubes de esquina, amigos para sempre e de sempre. Sai a saideira!