Velório

Viram como Micheque chegou para ver o marido? De preto da cabeça aos pés e grandes óculos escuros cobrindo metade da bela faccia. Só faltou um véu de missa, aqueles curtinhos de renda preta, atrás dos quais as mocinhas se escondiam para não roubar a concentração dos mocinhos e mesmo outros de idade mais avançada, dentro da igreja, na cara do padre ou do pastor. 

Deu um sorrisinho maroto para os fotógrafos e entrou. 

Foi vestida para um velório. Deve ter sido idéia de seu cabeleireiro e dublê de estilista. Ou será que foi dela mesma? Temo que nunca venhamos a saber. 

Seja como for, foi lá para enterrar o defunto. 

Eu, hein? Se fosse ele, jamais ia querer voltar para casa. Ia preferir ficar na Federal. Mais seguro. 

Viram também o vídeo do primogênito Flávio, indignado? Disse que se papai morrer lá, a culpa é do Xandão. Não entendi bem o que o fiofó tem a ver com as calças. Ou o contrário, sei lá. Essa gente é muito atrapalhada no falar. Falou que o Cresão, ou coisa assim, morreu do coração na cadeia só porque o Xandão não mandou ele morrer em casa. Bem, o cara ia morrer mesmo, como dizia papai na pandemia, então tanto faz se na cadeia ou em casa, se em casa ou no hospital. Era cardíaco e estava sendo bem cuidado na Papuda, se bem me recordo. 

Viram também que papai disse que começou a fuçar na tornozeleira do meio para o fim da tarde de sexta-feira, enquanto todo mundo dormia? Fuçou até a meia-noite e ninguém viu.

Putz! Vá ter uma família de soneca pesada assim lá numa caverna do Vale da Ribeira! O pessoal aparece para o churrasco e desfalece até o dia seguinte? O que serviram nessa churrascada? 

Até o Chupetinha apareceu lá, com hora marcada pelo Xandão, e não viu que tava todo mundo pregado? Não viu também que o dono da casa andava alucinado entre as quatro paredes? É o que ele diz em sua defesa, à guisa de explicação para cair matando na tornozeleira. 

Não, essa história de alucinação que os adevogados (sempre eles) criaram não procede. Quando a violação da tornozeleira apitou nos ouvidos da PF, sete ou oito minutos após a fatídica hora do lobisomem, os agentes que entraram na casa não viram nenhum alucinado. Se havia algum, saiu pelo teto. E o apenado contou, calmamente, que arrombou a tornozeleira por curiosidade, quer dizer, para ver o que tinha dentro. Não conseguiu abrir, após horas tentando, mas lá pelas tantas ela disparou o alarme. 

Se é coisa de maluco, é outra história. Mas até aquela hora, sem nenhum adevogado presente, não tinha nada de alucinação. Até que apareceram os causídicos, já depois das 6h da manhã, esses sim alucinados para tirar da cartola uma explicação ao tresloucado gesto. 

Podia ser Bento Carneiro, o primeiro vampiro brasileiro, o do Chico Anysio, saindo pelo telhado após o estrago, mas os adevogados acharam que a maioria dos idiotas — nós — não ia acreditar. Então sacaram da cachola essa da alucinação medicamentosa. Mais “científica”. 

Só que médicos e médicas psiquiátricos dizem, hoje, que o tal efeito é tão raro, mas tão raro, que é como aparecer uma roseira dando rosa preta no jardim do dia pra noite. 

Mas o que importa mesmo é que o STF não caiu na lorota e manteve por unanimidade de votos da primeira turma a prisão preventiva para Jair na Federal. 

A definitiva ainda está por vir, nos próximos dias. 

Tic-tac. 

Nelson Merlin é jornalista aposentado e admirador dos dotes da boa advocacia, desde que se apresente. 

24/11/2025

 

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