Os cínicos

Contam os meios de comunicação que a defesa técnica dos acusados que começam a ser julgados amanhã, 2/9, tem como pilar central o argumento de que os oito se reuniram tão somente com o propósito de procurar saídas estritamente constitucionais para anular a vitória da oposição na eleição presidencial de 2022. Não achando nenhuma, encerraram o convescote e cada um foi para seu canto.

Ah, sim, ia me esquecendo de que depois de comerem o lanche servido à saída do Palácio do Planalto, deixaram pronto um plano, cognominado sugestivamente Punhal Verde e Amarelo, para matar o presidente da República, seu vice e o juiz ministro Alexandre de Moraes. Mas seria somente uma idéia, um pensamento fugidio, que escapuliu da cabeça para o papel. 

Que mal tem isso? — perguntam os cínicos. 

Antes de entrar no assunto, vale lembrar que Diógenes, o Cínico, nada tinha de cínico na acepção moderna. Sua filosofia pregava que os homens,  para se tornarem virtuosos, deviam levar uma vida de cão, modesta e simples como a dele, que morava dentro de um barril, comia o que lhe ofereciam, fazia as necessidades na rua à hora que surgissem e rejeitava as benesses dos poderosos, entre eles o Grande Alexandre, que apesar dos pesares o admirava. 

Quanta diferença para os cínicos modernos! 

Quis o destino que outro Alexandre, o Moraes, por motivos outros que o da antiga Pérsia, levasse um bando de cínicos modernos às barras do Supremo Tribunal Federal do Brasil, cerca de 2.350 anos depois. 

Não são cidadãos virtuosos, esses que o Alexandre brasileiro vai “qualificar” amanhã como os arquitetos de cinco crimes gravíssimos. Tentativa de abolição violenta do Estado de Direito (art 359-L do Código Penal), para impedir o funcionamento dos três poderes centrais da democracia; tentativa de golpe de Estado (art 359-M do CP), para impedir por qualquer meio a posse após a diplomação ou derrubar do cargo o presidente democraticamente eleito; formação de organização criminosa armada (art 2 da lei 12.850/2013), para executar a tentativa; dano qualificado por grave ameaça contra o patrimônio da União (art 263 do CP); e deterioração de patrimônio tombado (art 62 da lei 9.605/1998) — os dois últimos relacionados à invasão e depredação do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal por uma turba enfurecida, em 8/1/2023, para provocar a intervenção golpista das Forças Armadas. 

Se Diógenes levantasse da tumba para ler as acusações, chamaria  Alexandre, o Grande para prender os insurrectos e, no mínimo, condená-los à escravidão ou ao desterro da Magna Grécia. 

As penas para tais crimes, no ano da graça de 2025 DC, variam do mínimo de 20 e tantos até 46 anos de cadeia. Como os meliantes já passaram dos 50, alguns até dos 70, acredita-se que nenhum sairá vivo de lá para contar a história. Diógenes e seu admirador Alex aplaudiriam. 

Quanto às depredações, as defesas dirão que foram cometidas por aloprados incitados por comunistas e agentes do PT infiltrados e com apoio disfarçado do presidente Lula, que viajou para São Paulo e deixou o Palácio do Planalto propositadamente escancarado numa tarde de domingo. 

Vê-se que o cinismo moderno não tem limites, ao contrário do comedimento e da temperança pregadas por Diógenes na Grécia antiga. 

No entanto, como o destino acaba escrevendo o certo por linhas tortas, os oito hão de ser devidamente condenados e sentenciados à prisão, onde finalmente poderão encontrar a modéstia e os limites recomendados pelo mendigo esfarrapado Diógenes de Sinope para uma existência digna e decente, ainda que na reta final de seus dias. 

Que assim seja. 

Nelson Merlin é jornalista aposentado e admirador das lições da Antiguidade que certos seres modernos tanto relutam aceitar. E ainda se dizem conservadores! 

1º/9/2025

     

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