O relevante e o irrelevante

Prefiro ficar com o relevante, nessa viagem que o presidente Lula fez à China e, antes, à Rússia. O irrelevante deixo para a imprensa dita profissional noticiar, em papel jornal ou pelas ondas do rádio e da televisão. E pelas vozes da extrema direita golpista nas ondas obscuras das redes sociais. 

Vamos logo ao relevante. Lula abriu a porta para entrarem US$ 27 bilhões  em investimentos da China no Brasil. É uma penca de negócios de bom tamanho. Mais de R$ 150 bilhões de reais, 24 vezes maior que o desfalque no bolso dos aposentados do INSS. Não deu manchete em nenhum jornal. A manchete que deu foi uma futrica envolvendo a primeira dama Janja num jantar em grupo restrito oferecido pelo presidente Xi Jinping e sua esposa, em que Janja, com justa razão, expôs a Xi os terríveis malefícios da divulgação de “competições” suicidas para crianças pelo aplicativo TikTok

Também não vi em lugar nenhum o órgão de comunicação do governo, a Secom, dar o merecido destaque ao pacotão de dólares embalado por Lula e Xi Jinping em Pequim. 

Não é só a mídia pró-Tarcísio/Zema/Ratinho/Micheque que está esnobando fato tão relevante…

Enquanto a Secom come mosca, a extrema direita na Câmara e no Senado mexe os pauzinhos para fazer a CPMI da falcatrua no INSS — para dar tiros no próprio pé, mas, claro, infernizar a vida do governo, que é o que interessa. 

Também não vi a Secom mover uma palha para dizer que a rapina começou nos dois anos de governo Temer, atravessou em brancas nuvens os quatro anos de desgoverno do Inominável e foi descoberta após dois anos de governo Lula — certo que com atraso, mas foi esse governo que descobriu, desmantelou e vai devolver o fruto do butim aos aposentados e pensionistas. 

Não é só um problema de falta de comunicação no governo Lula, mas de conteúdo e de linha de frente para levar mensagens óbvias ao público e calar a boca dos nicola da vida, que não são poucos e estão sempre salivando os venenos antes de dar o bote. Enquanto isso, o governo Lula parece estar dormitando uma sesta interminável. 

Sobre a Rússia, me parece ser o óbvio ululante, como gostava de dizer o xará Nelson Rodrigues, o cronista das multidões. 

     O nazismo não foi derrotado pelos americanos e ingleses. 

Os EUA tiveram papel importante mas tardio. Só entraram na guerra no final de 1941 e contra o Japão, que havia detonado a frota estacionada em Pearl Harbour. No mesmo ano, os ingleses não sabiam mais o que fazer para afastar os alemães de suas proximidades ou, ao menos, sobreviver aos pesados bombardeios a Londres e outras cidades pelas bombas da Luftwaffe. Poucas vezes a RAF se impôs à Luftwaffe, para depois recuar porque nem peças de reposição para os spitfires tinha mais: suas fábricas foram implacavelmente destruídas pela aviação nazista. 

O nazismo foi derrotado pelos soviéticos. 

Sua aliada na invasão da Polônia em 1939, os alemães invadiram a URSS de surpresa, em 1941, e largaram de mão a Inglaterra, que pôde respirar aliviada. Nessa invasão, a URSS perdeu em quatro anos 26 milhões de soldados e civis, dos quais 20 milhões eram russos. Ainda assim, causou pesadas baixas aos invasores, que esperavam liquidar os soviéticos em meses, mas lá ficaram até serem definitivamente desmantelados e derrotados em 8 de maio de 1945. No dia seguinte, fincaram a bandeira vermelha em Berlim. 

Por isso Lula foi a Moscou, ao contrário de chefes de estado europeus e do lado de cá do Atlântico, que não foram porque estão unidos nas sanções a Putin pela estúpida invasão da Ucrânia. 

Lula estava lá não para fazer festa ou opor-se à Ucrânia, mas para prestar solidariedade aos mortos, enaltecer a vitória sobre o nazifascismo — que teve participação importante e heróica da FEB, a Força Expedicionária Brasileira, pois um dia, acreditem os mais jovens, lutamos e vencemos os nazis — e marcar a independência da nossa diplomacia. E Lula estava certo nisso.

De novo, não li, não vi nem ouvi em lugar algum da terra tupiniquim um editorial da mídia sobre fato tão relevante. O que li, vi e ouvi foram críticas à presença do presidente brasileiro inxerido, ao lado de ditadores de várias origens. 

E, de novo, não li nem vi a Secom pronunciar-se sobre o real significado da viagem do presidente brasileiro. 

Não sou admirador do ex-KGB Vladimir Putin, mas o Dia da Vitória alcançada 80 anos atrás é algo muito maior para a humanidade e nosso futuro enquanto espécie do que a biografia do autocrata russo e outros autocratas presentes. 

Não se pode virar as costas para a História. É preciso seguir em frente, não desistir jamais do compromisso com a liberdade e a vida, ante a opressão e os adoradores da morte e do extermínio. Mesmo que se esteja diante de um deles. 

Nelson Merlin é jornalista aposentado e embasbacado com a falta de informação da imprensa brasileira e o desinteresse geral com a História. 

  21/5/2025   

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