Quem poderia imaginar que passados mais de 30 anos após seu “nascimento”, os bebês Reborn iriam virar manchetes na mídia brasileira?
Lá no comecinho dos anos 90 aficcionados por bonecos em geral resolveram “dar vida” a um simples boneco de vinil. Depois de várias camadas de tinta e detalhes de um serzinho humano, nasceu o hoje polêmico Bebê Reborn, nome dado a esses bonecos hiper-realistas que viraram moda aqui no Brasil.
A intenção era criar um boneco que se assemelhasse a um bebê de verdade, que abre os olhos, mama, chora, tem peso e pele iguais a de um nenenzinho, mas o que era pra ser um mimo para presentear crianças acabou virando uma febre de adultos aqui no Brasil, atualmente.
Eles estão indo a pronto-socorro para atendimento médico, estão sendo alvo de disputa de guarda compartilhada entre casal que está se separando, estão furando fila em bancos e supermercados e até foram parar na Câmara dos Deputados, que está apresentando projetos de leis penalizando quem usa esses bonecos como se fossem crianças de verdade. Deputados querem pôr no papel leis que proíbam esses bebês de receberem atendimento médico em hospitais e postinhos públicos e defendem que seus “pais” paguem multa se derem uma de migué em filas, sejam onde for.
Se essa onda de apego excessivo aos bonecos já tivesse acontecido tempos atrás, os primeiros bebês Reborn estariam crescidos e já teriam se formado na faculdade com direito a festa de formatura e tudo. Não sem antes, porém, terem passado pelo baile de debutantes, onde as belas bonecas de 15 anos de idade teriam varrido o salão de baile com seus vestidos esvoaçantes, dançando alegremente a valsa de Strauss com seus papais engalanados, sob as vistas das orgulhosas mamães que as criaram e que as enfeitaram para a grande festa de apresentação à sociedade.
Pelos cálculos, esses “bebês” estariam hoje com 35 anos, mais ou menos, mas, pelo comportamento de algumas pessoas em relação aos seus pares, é possível que a criação deles tenha sido muito antes da data encontrada na pesquisa. Alguns hoje estariam beirando os oitentinha e estariam ocupando lugar de destaque na sociedade brasileira como acompanhantes de viagem de representantes políticos.
Um deles tem viajado mundo afora em companhia da senhora Sonsa Lulu da Silva. Ela já o levou pra passear pela Europa toda, e, há pouco tempo, foi para a Rússia e o apresentou ao presidente Putino. O ditador ficou tão encantado que encomendou um fabricado pelas nossas artesãs. Disse até que o chamaria de Zelenskynho e o trataria como filho. Que o levaria pra passear na Ucrânia para mostrar as propriedades da família, terras que conseguiu com muita luta (certamente iria dizer que era no sentido figurado, pra não dar mau exemplo à criança).
Mais recentemente a senhora Sonsa levou seu boneco Lulu à China. Ela até foi antes dele sozinha, mas não aguentou a saudades e mandou que o enviassem para que ele se sentasse ao lado dela no jantar oferecido pelo presidente chinês Xi Jin Ping-Pong. Lá, Lulu se comportou como um boneco deve se comportar, enquanto ela soltava a língua e se rasgava em elogios às atitudes de regulação da mídia imposta pelo governo do companheiro Ping-Pong.
Bom, eu estava aqui pra falar da febre Reborn que está assolando o território brasileiro, e viajei pelo mundo. Voltando pra cá e acompanhando os noticiários sobre o assunto, percebe-se que o mundo da fantasia está crescendo muito. Vai chegar o dia em que as pessoas vão achar que as cenas das famigeradas crianças da Faixa de Gaza passando seus dedinhos finos no fundo de uma panela pra colher a última gota de alimento são só um de filme de ficção e vão mudar de canal.
Aliás, muita gente, não só daqui, já está mudando de canal pra não ver essas cenas.
Esta crônica foi originalmente publicada em O Boletim, em 23/5/2025.