Para mim, o grande sucesso, disparado o maior de todos, na festa da posse do Napoleão dos EUA não foi o Napoleão. Foi o chapelão, preto retinto com fita branca ao redor, a aba larga, fina e reta, enchapelado pela bela Melania, vestida de preto da cabeça aos pés.
Com os lábios carnudos pintados de vermelho ela roubou a cena!
Como sempre, estava com cara de poucos amigos. Não a vi sequer sorrir. Apenas esboçou algo nos lábios quando Napoleão aproximou-se para beijá-la — naquele que seria o primeiro beijo da Nova Ordem — e não conseguiu. Foi repelido pela aba fina como navalha do chapelão, enterrado até o meio da testa da dama de preto, de quem nem se viam os belos olhos.
Vi seus lábios esgarçarem rápido sorriso por um dos cantos, justamente aquele que Napoleão buscava encontrar com os seus. Num gesto instintivo de defesa, ante a afiada aba Napoleão estancou abruptamente de seu desejo e retraiu-se. A dama de preto virou a cara e postou-se, séria e rígida, para frente.
A última vez que vi um chapelão desses acho que foi num filme de cowboy, enterrado na cabeça de um bandido vestido de preto — chapéu também — mastigando a piteira de uma cigarrilha entre dentes dourados. Na frente dele estava ninguém mais ninguém menos que o imbatível Clint Eastwood, empunhando um trabuco 45 e, também, uma cigarrilha e um chapelão, só que na cor de um browney, o bolo preferido dos gringos. Claro que foi Clint que levou o bolo, deitando ao chão com um único tiro o bandoleiro, seu chapelão, a cigarrilha e tudo mais.
Não lembro o nome do filme, e para dizer a verdade não tenho certeza se era o Clint que aparecia na gigantesca tela do cine Vitória ou, talvez, o Imperial, no centro da velha Porto Alegre em que nasci, já se vão 78 anos. Eu tinha uns 15 a 18 no escurinho daquele cinema.
Talvez fosse, em vez do Clint, o John Wayne, o Gary Cooper ou o Robert Mitchum, mas isso pouco importa, faz muito tempo, e o tempo acaba com as nossas certezas.
O que me traz essas lembranças incertas é o clima de faroeste que vi na posse do Napoleão. Seu discurso foi um primor de ameaças proferidas entre dentes e dirigidas ao mundo inteiro e a todas as partes do sistema solar (disse que Marte será dele), e não ao modesto curral onde costumavam se empoleirar os bandoleiros do inesquecível John Ford. Não confundir com o ex-presidente Gerald Ford, aquele que, no dizer de outro ex-presidente do mesmo partido (o Republicano), não sabia andar e mastigar chicletes ao mesmo tempo. Já o John foi o maior diretor de faroestes em todos os tempos.
Em certo momento temi que Napoleão levantasse a mesinha onde estava a papelada da seu discurso de 20 minutos e a atirasse contra o distinto público, na falta de um 45 prateado pendurado na cintura.
Preferi ao discurso a pose da insustentável leveza de ser da dama da noite. Armada com seu chapelão, ela impedia eficientemente que algum afoito se aproximasse a menos de meio metro. E desse poder feminino até Napoleão bateu em retirada.
Nelson Merlin é jornalista aposentado e encantado.
21/1/2025