No Ringue

Despeito é uma palavra rica de significados na língua portuguesa. Tem sinônimos para todos os gostos. Desgosto, ressentimento, desfeita, mágoa, desconsideração, humilhação, depauperação, descompensação, decepção e por aí vai. 

Todos esses sentimentos juntos convergem para um só: a amargura. Aquele gosto de fel que come as bochechas por dentro. Que remete a uma tristeza sem tamanho, a uma decepção sem fim e sem fundo, a uma gastura que corrói as vísceras mais profundas do indivíduo.

Numa palavra, a sofrença. Aquela mesma dor que a finada Marília Mendonça cantava em prosa e verso, e fazia seu público cair como que num tacho de miséria e sofrimento. 

 No inglês, que não tem essa mesma riqueza de detalhes e dramaturgia, a palavra que melhor define esse feixe de sentimentos de agrura, morte ou desdém é spitefullness. Curto e grosso. A palavra em si já é uma sapatada nas partes íntimas. Uma bordoada para o indivíduo nunca vir a esquecer. Em suma, um pontapé nos culhões! — como dizem nossos ilustres  fundadores lusitanos. 

É como vejo a gama de sentimentos da malta bolsonarista ante os fatos acontecidos em Kuala Lumpur no último fim de semana, quando o balofo Donald Trump encontrou-se para um tête-à-tête com o sequinho pau de arara Lula da Silva. 

A luta do século transcorreu sem maiores intercorrências. Num lado do ringue, os diplomatas do Itamaraty, internacionalmente reconhecidos por sua competência, profissionalismo e comedimento. No outro, a diplomacia deixa que eu chuto do Departamento de Estado trumpista. No vértice do ringue, os dois presidentes: Lula confortavelmente reclinado em sua cadeira, uma perna cruzada sobre a outra, aparência de total domínio da situação; Trump projetando o corpanzil para frente, como quem dá instruções num vestiário ou tem pressa de resolver logo o assunto para pegar o avião. E as mãos uma  agarrando a outra, como em pregação ou oração. 

O que cada um expôs no confronto foram as intenções de parte a parte. Não passou disso. Mas foi importante para dar o chute inicial da porfia — como diziam os narradores esportivos de muito antigamente. 

     Nada, contudo, para os bolsonaristas ficarem tão amuados, tão magoados, tão abandonados e decepcionadíssimos como doguinhos famintos na frente da vitrine cheia de filés suculentos. 

Acho que o que está doendo nos calos, na verdade verdadeira, é verem Lula tomando as rédeas do caso que os Bananinhas da vida criaram. Lula despontando como voz da soberania nacional e disposto a negociar o negociável e a recusar de pronto o inegociável. É isso que mata, ao passo que o imperador Trump vai para a defensiva, tira o time de campo na questão política, joga  Bolsonaro aos leões, não tem mais  cartas na manga. Não pode mais aumentar tarifas porque já as aumentou muito mais do que poderia, causando uma inflação artificial em seu próprio país, com um tarifaço despudorado sobre os produtos brasileiros de primeira necessidade — carne, suco de laranja, frutas e café. 

Produtos esses que os exportadores brasileiros vão colocando em outros mercados sem grandes problemas, em detrimento dos consumidores que Trump deixou chupando dedos. E quando se abrem novos mercados numa emergência imposta pelo principal cliente, dificilmente essas exportações voltarão para ele quando a poeira assentar. Primeiro por desconfiança, segundo por revolta e, terceiro, por necessidade de atender aos novos clientes com respeito e dignidade.  

O embate simbólico, Lula já venceu. Saiu na frente e Trump amoleceu as pernas. Sabe que não tem mais o que fazer para dobrar um adversário que não esperava ser tão resiliente. Está, agora, numa sinuca de bico: fazer acordos sem entregar os anéis, ou sair de fininho, reduzindo gradativamente as tarifas em troca de alguma vantagem — que depende inteiramente da vontade de Lula —, para não perder os dedos. 

No mais, a bolsa subiu e o dólar caiu, refletindo positivamente o embate de Kuala Lumpur. Outra chapuletada nos supostos brios dos adeptos do ex-capitão e futuro presidiário. 

Nelson Merlin é jornalista aposentado e apreciador de lutas de boxe memoráveis nos tempos de Muhammad Ali e George Foreman, campeões olímpicos e mundiais que sabiam dar murros e, mais do isso, eram mestres da estratégia para matar a luta no cansaço do adversário. 

28/10/2025

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