Hipóteses

“Discutir hipótese não é crime”, define o jurista Inelegível, referindo-se à minuta golpista que apresentou aos seus ministros militares, no começo de dezembro de 2022, após chorar copiosamente a derrota eleitoral por um mês inteiro no banheiro do Palácio da Alvorada. 

Bom, depende! Se o sujeito está discutindo com os milicos a hipótese de tomar leite condensado com linguiça, não é crime, mesmo que seja um atentado aos bons modos e à boa gastronomia. 

Mas se está discutindo com eles uma trama para dar um golpe de estado, é crime de tentativa de sedição. Está nos artigos 359-L e 359-M da lei 14.197, de 1º de setembro de 2021 — assinada por ele, portanto. Por ele e mais três golpistas que, na data, eram ministros: Anderson Torres, Braga Netto e Augusto Heleno. 

Se leram o que assinaram, não deram bola. 

Não sei por quê, a lei  também leva uma quinta assinatura, a da vidente Damares Alves! Mau presságio. Alguma importância teve a dita  senhora, pois a dela aparece antes da de Heleno, o último a assinar. 

Basta a tentativa para ser crime. E discutir o assunto com seus ministros militares é o primeiro passo do crime, punido com quatro a 12 anos de reclusão. 

Dois dos três comandantes captaram a gravidade da minuta e caíram fora. Não havia nada ali que justificasse, preto no branco, a declaração de estado de sítio no andar supervigiado do TSE onde ficam os computadores que somam os votos enviados pelos TREs. 

Mas se o Exército tivesse descoberto uma lasca de fraude nas urnas — e reviraram as tripas das coitadas para encontrar algo parecido, após convite infeliz do presidente do STF para acompanharem a instalação do código fonte —, os dois comandantes poderiam ter embarcado na canoa do golpe. Tanto que não deram voz de prisão ao presidente por propor um golpe. Deveriam, e não fizeram. 

O Partido Liberal (liberal não se sabe por quê) também pôs suas digitais no plano golpista. Foi com um relatório mais que capeta encomendado ao Instituto Voto Legal, que viu em parte das urnas anteriores a 2020 o que alegaram ser uma inconformidade, porém sem nenhuma importância prática ou técnica. Especialistas das universidades parceiras do TSE nos sistemas das urnas (USP, Ufscar, Federal do Pará e Federal do ABC paulista) demoliram as alegações como infundadas e sem rigor técnico, conforme relatório que se pode acessar na internet. Mas isso bastou para o PL pedir a anulação dos votos registrados naquelas. 

Pela pretensão, tomou uma multa de R$ 22 milhões e uns quebrados. Os bolsonaristas esqueceram os quebrados e ficaram com o 22 na cabeça, o mesmo número do partido. Como são conspiratórios, viram nisto um recado explícito do então presidente do TSE, ninguém menos que o ministro Alexandre de Moraes. 

Como se sabe, a inteligência é finita, mas a burrice… No fim da história, o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, pagou a multa e escapou do indiciamento da Polícia Federal por tentar melar a eleição. O pessoal do Voto Legal também escapou. Estranhamente, a coisa parou por aí, ao menos por enquanto. 

O que não vai parar, agora, é o processo penal contra os oito chefões golpistas, aos quais logo se somarão os restantes 26 dos demais núcleos fatiados pela PGR. 

Mas não será um céu de brigadeiro. 

Um ministro da primeira turma do STF, Luiz Fux, já deu sinais de divergências. Primeiro, pediu tempo para pensar melhor sobre o papel da cabeleireira desmiolada que abandonou a família para aderir aos acampamentos golpistas e, condenada a 14 anos, agora diz, aos prantos, em vídeo gravado por seu advogado, estar arrependida de ter pichado a estátua da Justiça. Não sabia do que se tratava e diz que foi à Praça dos Três Poderes em 8/1/23 para fazer fotos, pois era a primeira vez que ia a Brasília. Diz que a família está em choque. Pede clemência. O Fux parece estar louquinho para dar. A ver. 

Algo mais sobre a cabeleireira? Sim. Ela recusou, de modo incompreensível, oferta da PGR/PF para pagar multa e um ano e meio de pena de serviços à comunidade. Enterrou-se sozinha, por gosto ou sabe-se lá o quê. 

Segundo, Fux acha que os golpistas denunciados pela PGR e agora declarados réus por unanimidade na quinta turma — à qual pertence —, deveriam ser julgados pelo plenário, recolocando uma questão já resolvida pela Corte em passado recente. Ele está no modo vai não vai. As defesas se sentem lisonjeadas. 

Nelson Merlin é jornalista aposentado e que não larga o osso de reportar remotamente o que se passa no STF em momento tão emocionante de nossa história. 

27/3/2025

     

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